Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 11 de agosto de 2007

Volta do Todo Poderoso, A

Essa continuação de "Todo Poderoso" apresenta um tom bem mais infantil que o original, além de um roteiro demasiadamente fraco, com piadas nada criativas. Quem ainda segura um pouco a diversão é Steve Carell como protagonista, que mostra cada vez maior seu talento para comédias.

Continuações de filmes de Jim Carrey sem o próprio não vem sendo um bom sinal, vide os fracassados “O Filho do Máskara” e “Debi & Lóide 2”. “Todo Poderoso”, estrelado por Carrey em 2003, foi o maior sucesso de sua carreira – rendeu 85 milhões de dólares apenas na estréia americana e quase 460 milhões ao redor do mundo – sendo assim, uma continuação era algo quase inevitável. O fato de Carrey não retornar sempre é um motivo para ter um pé atrás, mas essa continuação tem o diferencial de ter um protagonista de respeito (talvez não à altura, mas sim de muita qualidade). É Steve Carell, coadjuvante do original, que vem conquistando um espaço cada vez maior após filmes como “O Virgem de 40 Anos” e “Pequena Miss Sunshine”, além do excelente seriado "The Office".

No filme original, Carell vive o âncora de telejornal, Evan Baxter, que tem a língua enrolada em uma das cenas mais cômicas do longa, e agora tem a chance de ser protagonista. O personagem é o mesmo, mas agora ele foi eleito para o Congresso dos EUA, suas responsabilidades são maiores, Deus o visita e a trama começa a partir daí. Uma vez monitorado pelo poderes divinos, Evan teria que passar pela missão de construir uma nova arca (semelhante a de Noé), juntar nela vários animais e pessoas, antes de um novo dilúvio programado pelos céus.

Parece até ironia, mas o grande ponto alto desta continuação sem Jim Carrey é o seu substituto. Não é à toa que Steve Carell seja um dos comediantes mais requisitados da atualidade, pois ele realmente possui uma veia cômica ímpar. E neste filme é mais do que perceptível o esforço do ator (repetindo muitos dos trejeitos de seu personagem Michael, de "The Office") em criar situações cômicas em cima de piadas limitadas. Sim, "A Volta do Todo Poderoso" é um daqueles filmes que você precisa ligar "sensor besteira" e fazer um esforço extra para consegur rir.

O grande defeito é o fraquíssimo roteiro de Steve Oedekerk (adaptado do roteiro religioso "The Passion of the Ark", disputado então por muitos estúdios), que pareceu ter perdido toda sua originalidade do primeiro filme. Então, com roteiro fraco, não há ator que salve o resultado final. Enquanto antes víamos milhares de situações cômicas por ver Jim Carrey com os poderes de Deus, esta continuação joga toda a essência para o espaço por um simples motivo: o protagonista não se torna Deus. Evan Baxter é apenas um designado do verdadeiro Deus para construir a Arca, se transformando em um novo Noé, sem nenhum poder especial. Daí então, o enorme leque de piadas existentes na possibilidades de ser Deus é limitada a pouquíssimas opções, além de descaracterizar a "série" (aspas, pois a possibilidade de haver mais uma continuação é mínima).

Com um roteiro restrito, as opções de piada se limitam apenas a mostrar o personagem de Carell sendo cercado o tempo todo por animais e vendo sua barba e seu cabelo crescerem em uma velocidade absurda. Algumas cenas até arrancam um divertimento do espectador, como ao ver os peixes do aquário seguindo os movimento da cabeça de Evan Baxter enquanto esse tenta ter uma conversa de negócios com o congressista vivido por John Goodman; quando Baxter tenta "disfarçar" seu cabelo e barba sabendo que cortar é uma inutilidade; e no clímax quando ele grita "Deus, pode dar uma precipitaçãozinha", referindo-se ao tal dilúvio. Mas enfim, são situações simples demais e apenas divertem pela constante cara de desespero de Steve Carell. O astro consegue dar ânimo extra a qualquer situação, conseguindo a tornar cômica. O diretor Tom Shadyac retorna sem inovações e se mantém no básico, repetindo algumas passagens adquiridas do primeiro filme (como mostrar o Deus vivido por Morgan Freeman em vários lugares ao mesmo tempo) e, de resto, mantém um clima descontraído, sem grande destaque.

Enquanto o primeiro filme questionava de maneira interessante de onde vinha o verdadeiro poder de domínio, este episódio vasculha aquela velha história do que pode ser deixado de lado quando se busca a felicidade, a importância do companheirismo, a prioridade da família em relação ao trabalho, etc. Ou seja, temas 'família' extremamente clichês que tornam esta continuação um filme bem mais voltado para o público infanto juvenil. Nada mais de poderes usados para preparar o terreno para cenas de sexo, como fez Carrey no primeiro. "A Volta do Todo Poderoso" é uma
comédia com muita cara de "Sessão da Tarde" esquecível.

Muito se comentou sobre o alto valor investido na produção, que pode chegar a até absurdos US$ 250 milhões se contar com o marketing. Impressionante que tal investimento não parece ser conferido em cena. A cena do dilúvio é bem feita? Sim, mas nada que realmente surpreenda. De resto, não há outras cenas em que podem ser conferidos efeitos especiais que chamem atenção e, pelo visto, toda a verba foi usada no adestramentos dos muitos animais usados em cena. De fato foi um trabalho bem feito, de modo que os movimentos dos bichos sempre soam os mais naturais possíveis. Interessante, mas imcompreensível ao lembrarmos que toda aquela magia visual proporcionada por "Transformers" custou US$ 150 milhões. Ora, adestramento de animais o Beto Carreiro também faz muito bem em seu circo.

Não era bem necessário uma continuação de "Todo Poderoso", mas mesmo assim, os produtores continuam pondo o lucro acima da qualidade. A sorte é que Steve Carell tem talento de sobra e, se tivesse um roteiro decente em mãos, abordando uma situação semelhante ao personagem de Carrey no original, teria tudo para ser um filmaço. Com uma história tão limitada, o máximo que o astro consegue fazer desta continuação é uma divertida "Sessão da Tarde", que pode arrancar alguns risinhos. Nada mais.

Thiago Sampaio
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