Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 21 de julho de 2007

Ela é a Poderosa

No meio de tantos pipocões estreando neste período de férias, poucos são os que se arriscam a conferir uma comédia que, drasticamente, recebeu o nome de “Ela é a Poderosa” na versão brasileira. Porém, acho pouco provável que os corajosos que o façam saiam da sala, no mínimo, satisfeitos por ter visto um filme que traz um três protagonistas arrebatadoras e toca na ferida não só de relacionamentos familiares, mas também em questões de identidade, redenção e escolhas.

“Ela é a Poderosa” ou, melhor chamando, “Georgia Rule” renova todas aquelas abordagens de conflitos familiares que precisam superar as diferenças, principalmente de geração e costumes, para que possa existir uma melhor identificação e convivência. São as diferenças que assolam as vidas das protagonistas. Rachel (Lindsay Lohan) é uma rebelde típica da Califórnia que, após aprontar algumas e não investir em uma faculdade, extrapola a paciência de sua mãe, Lily (Felicity Huffman), que decide viajar com a adolescente para um lugar afastado da “civilização”. É em um ambiente de hospitalidade e costumes típicos que Georgia (Jane Fonda), mãe de Lily, mora sozinha à base de constantes regras de convivência. Neste impasse, Rachel vai morar com a avó e precisa se adaptar a alguns novos hábitos que, claro, não a agradam. Meio a desavenças, um grande segredo é revelado e põe em xeque a confiança que as três personagens têm uma pela outra, precisando passar por vários abalos até entenderem e aceitarem o amor que as envolve.

A característica mais marcante de todo o longa, sem dúvidas, se concentra nas atuações principais. Representando três diferentes gerações não só na trama, mas também em quesito de atrizes profissionais, Jane Fonda, Felicity Huffman e Lindsay Lohan são as grandes responsáveis por dar um toque de reconhecimento ao filme. Após sua volta espetacular às telonas em “A Sogra”, Fonda encarna Georgia como aquela matriarca cheia de conceitos que acredita em si mesma e nos seus métodos. Mesmo assim, não esconde ser uma mulher que precisa de tais regras para continuar vivendo, já que é viúva e sua filha e neta não são presentes em sua vida. Em um determinado momento, Georgia afirma que tais regras são necessárias por indicarem que algo precisa ser feito de algum jeito. Talvez uma vida sem regras realmente não seja o melhor caminho a se seguir. A beleza de Fonda em cena continua inquestionável e o talento para a comédia que não gera gargalhadas, mas sim satisfação, são outros pontos positivos em sua atuação. Além disso, a sintonia com as outras atrizes é perfeita, escondendo os problemas que aconteceram durante as filmagens, quando Lohan e suas crises provocam atrasos e ataques de estrelismo.

Após ser indicada ao Oscar pela brilhante performance em “Transamérica”, Huffman mostra em Lily uma personagem insegura que, mais tarde, aparenta ser tão conturbada quanto sua filha. Por ter crescido com a sensação de que faltava algo em sua vida, Lily mostra-se a mais incompleta das três, tendo que viver com uma mãe que não se entende bem e uma filha revoltada que, talvez, seja um reflexo de uma administração materna insatisfatória. No caso de Lohan, a garota consegue criar uma personagem diferente de tudo que já viveu, esquecendo o rostinho angelical para aparentar carisma e investindo em uma pseudo femme fatale conturbada e sem regras. Bastante a vontade em cena, Lohan acerta no timing da comédia e sabe variar as nuances do drama, sendo uma personagem quase imprevisível. A atriz e cantora tem demonstrado um talento que vem sendo moldado em seus últimos trabalhos. Após ter se destacado desde sua aparição em “Meninas Malvadas”, Lohan quase pode ser relacionada a comédias teens, mas em “Georgia Rule” mostra que pode apelar para outras vertentes em trabalhos futuros. Em alguns momentos da vida de Rachel, particularmente me questionei se ali não tinha muito da própria Lindsay, que vem se envolvendo em constantes escândalos comportamentais. Quem sabe tenha sido por isso tal excelência na atuação, mas prefiro dar os méritos de que ela ainda é uma das grandes promessas da nova geração de Hollywood.

Dispondo de um texto escrito por Mark Andrus, de filmes como “Tempo de Recomeçar” e “Melhor é Impossível”, o diretor Garry Marshall, famoso por ter levado às telonas o clássico “Uma Linda Mulher” e a franquia “O Diário da Princesa”, faz um trabalho quase inexistente. Sabe aqueles filmes que são conduzidos somente pelos atores e o rumo que seus personagens vão tendo, parecendo quase não existir um toque da direção? Pois é neste âmbito que “Georgia Rule” se encaixa. Sem ousar em cenas que poderiam ter tido um aproveitamento bem melhor no longa, Marshall faz um trabalho comum, o que é uma pena, já que muito de “Georgia Rule” poderia ser melhorado. Quanto ao roteiro de Andrus, a melhor iniciativa posta no enredo foi em construir personagens espontâneas que não abusam de piadas piegas e divertem por estarem vivendo conflitos diversos, ao mesmo tempo que dá um novo toque a tais conflitos. Quando as protagonistas alcançam seus extremos, aí sim que percebemos a boa construção feita por cada atriz, sem parecer um melodrama convencional. Por mais que, em alguns momentos, a trama se torne óbvia, o fator dramático e a consciência de que aqueles personagens precisam se encontrar uns com os outros, estimula o interesse do espectador até o final. O jeito como as coisas caminham, por mais que sofra um pouco com algumas cenas arrastadas, facilita a simpatia da história que, ao se fechar, dá uma sensação de alívio e provoca ensinamentos pessoais.

Sem seguir a intenção de se destacar na parte sonora ou fotográfica, “Georgia Rule” mostra-se uma dramédia descontraída para se conferir, onde aborda conflitos familiares de uma forma mais contemporânea e sem medo de sacrificar os personagens que, claro, acabam com a redenção. De qualquer forma, nada parece ser forçadamente construído para que os problemas sejam resolvidos, deixando a cargo da personalidade de cada personagem em cena conseguir fazer com que a história ganhe sentido. Com o único compromisso de entreter e ensinar algumas regras, sobretudo a do amor da família, “Georgia Rule” fala de amor, de perversão, de (auto)confiança, de crenças, costumes e, acima de tudo, de uma sociedade marcada pela insatisfação, que só é resolvida quando algo grave vem à tona, revelando os verdadeiros sentimentos dos envolvidos. O longa remete a conceitos de família com um humor apurado e carisma inquestionáveis, revelando-se uma boa pedida para uma tarde de sábado qualquer.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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