Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Escorregando Para a Glória

"Escorregando Para a Glória" deve agradar em cheio aos fãs das comédias que fogem de qualquer padrão de bom senso. Porém, vale lembrar: apenas mesmo esse tipo de público. De qualquer forma, Will Ferrell e Jon Heder apresentam uma admirável sintonia em cena, atraindo a simpatia do espectador.

Will Ferrell é um forte suspeito de ter pacto com o demônio. Isso porque, todos os seus filmes são comédias rasgadas sem um pingo de inteligência (com exceção do ótimo "Mais Estranho Que a Ficção"), mas sempre são certeza de bilheteria estrondosa nos EUA, ganhando aos poucos um público fiel também fora do país. Foi assim com "Um Duende em Nova York", "O Âncora", "Ricky Bobby – A Toda Velocidade" (lançado aqui diretamente em DVD) e acontece o mesmo com este "Escorregando Para a Glória". A premissa é simples, mas não deixa de ser divertida: campeonatos de patinação, que sempre chamaram a atenção pela ostentação. Começando pelo figurino exótico (glamourosas malhas colantes com brilhos, plumas e paetês), e principalmente pela coreografia em que os participantes deslizam no gelo aos saltos e rodopios sempre com o sorriso esticado. E o principal: a beleza e leveza nos movimentos afetadíssimos, aliados à sintonia e sincronia dos patinadores – comumente um homem e uma mulher – deixando uma atmosfera de paixão no ar. Agora, imaginem tal "arte" sendo feita por dois homens. Um tema bizarro, mas que em nenhum momento deixa de ser cômico só de se imaginar, tampouco de se assistir.

Na trama, campeonato mundial de patinação costumava ocorrer em um universo elegante, até a explosão da rivalidade entre o astro Chazz Michael Michaels (Will Ferrell) e do garoto prodígio Jimmy MacElroy (Jon Heder). Chad e Jimmy já se enfrentaram em campeonatos anteriores, mas a rivalidade gera briga em plena pista de patinação, o que faz com que o mascote seja incendiado. Como resultado, ambos são expulsos do esporte. Três anos e meio depois, a dupla ainda não se adequou fora do esporte. Porém, eles descobrem que foram banidos pela federação apenas da categoria individual. É quando eles decidem se reunir para realizar algo inédito: ser a 1ª dupla de homens da história da patinação no gelo.

"Escorregando Para a Glória" é aquele tipo de filme que quando vamos assistir, temos que desligar qualquer noção de inteligência, roteiro, direção, etc. Pré-requisito básico é abrir a cabeça para uma série de gags politicamente incorretas e preparar-se para rir de uma série de situações para lá de absurdas. Seguindo esse conceito, o resultado é bastante satisfatório. Para aqueles que curtem gags groseiras envolvendo sexualidade, a comédia é um prato cheio.

A piada é uma só – o fato de dois homens se verem obrigados a realizar coreografias sensuais em nome do jogo -, porém, ela abre um enorme leque de possibilidades. Isso porque o roteiro, escrito por nada menos que quatro pessoas, se preocupa não apenas aos apelos visuais, e sim, no timing cômico dos protagonistas. E eis o grande triunfo do filme: a excelente química em cena apresentada por Will Ferrell e Jon Heder. Interessante como o modo que ambos construíram eus personagens: Chazz é egocêntrico, metrossexual, arrogante e um grande conquistador de mulheres; enquanto Jimmy é tímido e com um forte jeito afeminado, característica que esconde seu jeito romântico e desiludido com mulheres. Partindo desse contraste, muitas situações bizarras podem ser conferidas por vê-los dançando juntos, sabendo que nenhum é gay.

Ferrell está canastrão ao extremo, propositalmente, óbvio. Suas roupas que se assemelham a de um gigolô e seu cabelo ridículo com chapinha só acrescentam a interpretação forçada do ator, tornando Chazz um personagem para lá de irreal, motivo que só o deixa mais cômico. Já Heder faz jus por ser um dos comediantes mais promissores da atualidade. Ele ainda tem muito o que mostrar, mas seu desempenho em filmes como "Napoleon Dynamite " e "Escola de Idiotas" mostram sua qualidade, pois ele sempre interpreta um sujeito desengonçado, tímido, porém, cada um com suas particularidades. Ele escapa bem do risco de parecer interpretar sempre o mesmo papel, mal de Ben Stiller.

Entretanto, é bom deixar claro que o roteiro em nenhum momento deixa o lugar comum, até porque o tema do desenrolar – o modo como duas pessoas tão diferentes podem se completar – é mais do que batido, além de criar casos mais do que previsíveis, como alguma briga entre eles que pode afetar a apresentação final, interferência de uma mulher que pode comprometer a parceria, etc. Mas, se assistido com total descompromisso, o carisma de Ferrell e Heder consegue superar esses defeitos, de modo que todos os diálogos entre eles soam interessantes. As tentativas do pervertido Chazz em ajudar o desengonçado Jimmy a conquistar a mulher de seus sonhos e as explicações de Chazz sobre suas tatuagens, são momentos de leveza e, claro, diversão.

Claro, os momentos mais divertidos são mesmo as exibições da dupla, chegando a ser impossível não rir da cara de desgosto de ambos ao ter que aproximar o rosto ou a mão de alguma parte íntima do parceiro. Vê-los disputando quem resiste a maior queimação do gelo para ver quem seria o "homem" da dupla, chega a ser de gargalhar. Melhor ainda é vê-los encenando ao som da canção "I Don't Want to Miss a Thing", do Aerosmith, forçando cara de sensualidade. Pode ser humor preconceituoso, mas não deixam de ser hilárias as piadas visuais, juntamente com a falta de jeito dos personagens. Por mais simples que sejam as situações, até então era algo quase inimaginável, residindo aí a graça do longa. Além de as coreografias da dança no gelo serem uma atração a parte, por serem muito bem elaboradas.

O melhor de tudo é que o longa mesmo se mostrando apelativo e politicamente incorreto o tempo todo, ele nunca beira o escatológico, com humor demasiadamente grosseiro, como de filmes como "Quem Vai Ficar com Mary?", ou da franquia "Todo Mundo em Pânico". Em resumo, é um típico filme de Will Ferrell, intercalando piadas físicas com diálogos cômicos, além das já tradicionais colocações "nonsense" do roteiro, bem ao jeito de "O Âncora". Leia-se: personagens saírem voando (literalmente) de uma hora para outra, ou o visual congelado e rasgado do personagem de Ferrell ficar limpo, seco, de roupa nova e cabelo escovado em questão de um segundo. Piadas exageradas propositalmente, que só mesmo os já conhecedores do estilo de filme do ator irão apreciar.

"Escorregando Para a Glória" é uma boa pedida para quem procura uma pedida leve que não exija nenhum esforço mental. Se o assunto é apenas rir de gags grosseiras (porém, equilibradas), típicas das comédias de Ferrell, além de um toque de criatividade, o filme cumpre seu dever. Mas vale lembrar: passem longe se quiserem algo inteligente.

Thiago Sampaio
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