Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 09 de setembro de 2007

Eu Os Declaro Marido e… Larry

"Eu Os Declaro Marido e... Larry" perde ao tentar abordar temas diferentes, ser politicamente correto e divertir, tudo ao mesmo tempo e com a mesma intensidade. Claro, não há nenhuma dúvida de como a trama irá se desenrolar, muito menos de como irá terminar, mas não é uma tortura explorar caminhos que levam à resolução.

A boa comédia poder ter dois lados. Pode abordar o grotesco, apresentando uma história aceitável, ou focar nos detalhes engraçados do dia-a-dia e exagerar em fatos absolutamente reconhecíveis. “Eu os Declaro Marido e… Larry” possui um pouco das duas características.

A dupla Chuck e Larry não poderia ser mais diferente. Chuck é apreciador da poligamia, esbanja sexualidade e não parece estar interessado em compromisso. Larry é viúvo, tem dois filhos e, mesmo após um ano de luto, não é capaz de esquecer a dor pela qual passou. Cada um representa um diferente aspecto da comédia. Chuck, interpretado por Adam Sandler. é exagerado e suas aventuras beiram o bizarro. O humor de Sandler não é nada refinado, mas é difícil negar que a forma como o ator apresenta suas piadas tem seu toque de classe. Larry, interpretado por Kevin James, é mais sutil, seu humor está presente nos olhares, movimentos e situações mais do que em palavras.

O que os dois têm em comum é a profissão (trabalham juntos como bombeiros) e uma amizade plena, capaz de um nível de cumplicidade que nem sempre é rotina. A amizade se torna a alavanca para a resolução de um problema. Larry não consegue modificar seu seguro de vida de modo a colocar seus filhos, e não sua falecida esposa, como beneficiários. O obstáculo pode colocar um fim na sua carreira.

Quando Larry coloca sua vida em risco para salvar a de Chuck, a solução se apresenta. Os dois homens precisam se casar. Através da união legal, os filhos de Larry estarão protegidos e a burocracia contornada. O problema é que o casamento, por ser falso, sofre investigação como forma de fraude. O drama é deixado de lado para finalmente dar lugar à comédia. Os dois homens, heterossexuais, precisarão viver como um casal homossexual para evitar a condenação. O desafio aumenta quando a advogada Alex (Jessica Biel) entra em cena e provoca os sentimentos de Chuck. Os bombeiros também precisam enfrentar o preconceito de seus colegas e da sociedade.

Tudo poderia se tornar clichê, repetitivo e preconceituoso, mas tanto o amor entre os dois amigos quanto a vivência no mundo gay e a sensibilidade provocada pela discriminação fazem de “Eu os Declaro Marido e… Larry” um filme com um pouco mais de conteúdo do que algumas comédias recentes.

Adam Sandler não sai de sua fórmula. É divertido observar que suas piadas saem com naturalidade, mas é Kevin James quem detém as melhores qualidades de humor. Ele é, de fato, o protagonista dessa história, o mais interessante dos personagens. Infelizmente é o estereotipado e previsível Chuck quem ganha a maior parte da atenção.

“Eu os Declaro Marido e… Larry” não provoca risadas incontroláveis e, por isso, falha em sua proposta, mas consegue fugir das resoluções fáceis e se tornar uma descoberta livre de preconceito. Devido a seu ponto de partida, propaganda e produção, não será um filme que agradará a maioria. É preciso se preparar para aceitar um filme mais politicamente correto, ainda que sincero, e não quase duas horas de diversão sem limites.

Sem nunca encostar-se aos extremos e por buscar o caminho do meio, imparcial e comum, o filme escrito por Barry Fanaro (“Homens de Preto 2”), Alexander Payne (“Sideways”) e Jim Taylor (“As Confissões de Schmidt”) e dirigido por Dennis Dugan, com quem Sandler trabalhou em “O Paizão”, não conquista, muito embora tenha suas qualidades.

A dificuldade está em superar o óbvio. Estão lá os momentos dramáticos, as piadas psicológicas, as referências culturais, o humor pastelão, mas, por mais que individualmente tudo faça sentido, como algo generalizado existe deficiência. A trama se torna plana, pois a dramaticidade da situação geral anula a comédia nos momentos particulares.

“Eu os Declaro Marido e… Larry” é um exemplo do que é cinema descompromissado. De novo, o humor se faz presente, mas por estar inserido em um contexto carregado de desafios, ser politicamente correto e apresentar uma lição previsível, perde a força próximo ao fim e nenhum de seus objetivos é plenamente alcançado.

O espectador não sairá do cinema com dores abdominais devido algumas horas de risadas. Também não sairá contra ou a favor dos direitos homossexuais, mais ou menos preconceituoso, mais ou menos determinado a viver com garra. Sairá do cinema mais relaxado, com um humor ligeiramente melhor do que quando entrou. Mesmo faltando qualidade, “Eu os Declaro Marido e… Larry” termina por promover o desligamento da realidade, característica primordial e essencial da magia do cinema.

Lais Cattassini
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