Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 01 de julho de 2007

Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado

Esta continuação de “Quarteto Fantástico” consegue superar muito o filme original, apesar do roteiro superficial. Efeitos espetaculares e um Surfista Prateado impecável fazem deste filme uma ótima diversão, captando parcialmente a essência dos personagens dos quadrinhos.

Há dois anos atrás, a tão esperada adaptação para os cinemas do Quarteto Fantástico foi lançada (o medonho filme produzido por Roger Corman em 1994, banido aqui no Brasil, não conta), mas apesar do sucesso de bilheteria, o resultado final deixou muito a desejar em termos de qualidade. Isso devido o projeto ter caído nas mãos do inexperiente diretor Tim Story, que conseguiu transformar a aventura em uma comédia pastelão meia boca. Pois bem, eles precisavam de um chamariz extra para que a continuação não fosse vista com olhos tortos. E eles foram felizes na escolha: a aparição do Surfista Prateado nas histórias do Quarteto proporcionou um dos momentos mais emocionantes da saga da família de fantásticos nas HQs. A inclusão do Surfista no filme deu um ar de seriedade extra, além de abrir um leque de opções para cenas de ação interessantes.

Na trama, Reed Richards (Ioan Gruffudd) e Susan Storm (Jessica Alba) estão prestes a se casar. Porém, durante a cerimônia, algo estranho surge nos céus de Nova York. Trata-se do Surfista Prateado (Doug Jones), um ser alienígena que possui grandes poderes e que trabalha como arauto de Galactus, o destruidor de planetas. O Surfista veio à Terra para prepará-la para ser destruída por seu mestre, mas para atingir seu objetivo, precisará enfrentar o Quarteto Fantástico. Reed, Sue, Johnny (Chris Evans) e Bem (Michael Chiklis) precisam desvendar o mistério da chegada do Surfista na Terra, enquanto enfrentam o surpreendente retorno de seu inimigo mortal: Victor Von Doom (Julian McMahon), o Doutor Destino.

Apesar da já citada melhora, nada implica que Tim Story tenha se tornado um bom diretor, pois ele nada mais faz do que o básico e visivelmente, o filme nas mãos de um diretor mais experiente tinha tudo para ser excelente. Seu principal defeito é continuar a insistir nas piadinhas sem graça, em grande maioria, encaixadas em momentos inoportunos. Algumas tiradas até funcionam quando feitas de maneira natural, explorando as características de cada personagem – como o Coisa, com seu humor irônico, se refere ao Surfista como “bibelô” – mas a maioria soa forçada. Precisava abusar tanto do poder do Sr. Fantástico (sua elasticidade) para fazerem tantas piadas? A das pernas bambas antes do casamento foi pífia. A franquia “Homem-Aranha” é um belo exemplo de como um filme de super-herói pode mesclar ação com humor sem cair no ridículo. Vale lembrar que o excesso de merchandising chega a tirar a seriedade do longa, pois cenas são encaixadas apenas com esse intuito. O close no logotipo da Dodge na frente do Fantasticarro chega a ser revoltante.

O roteiro de Mark Frost, agora acompanhado de Don Payne (um dos criadores dos personagens), continua raso, sem se aprofundar em questões interessantes, como as origens do Surfista Prateado e do ‘Devorador de Mundos’, Gallactus, que, todo bom conhecedor de quadrinhos sabe que são histórias com fortes apelos psicológicos. No filme, esses detalhes são apenas citados por cima, e o que Frost e Payne fazem é apenas aproveitar duas histórias conhecidas das HQs – o casamento de Reed e Sue; e óbvio, a aparição do Surfista -, e aplicá-las em uma “fôrma de bolo”, aproveitando apenas as vertentes básicas e usando-as como pano de fundo para a ação. Por outro lado, o fato de não necessitar apresentar as origens dos poderes como no primeiro, abriu muitas novas oportunidades de desenvolver as personalidades de cada protagonista e até mesmo um maior número de cenas de ação.

Conhecemos mais a fundo o Dr. Reed Richards; o homem politicamente correto, estudioso acima de tudo, e muito apaixonado por sua noiva Sue, mas que a divisão de tempo entre a Ciência e o noivado acaba por trazer problemas, um ponto muito bem focado pelo roteiro. Um certo monólogo do personagem para o General Hager (André Braugher, de “Poseidon”), em que ele fala que em sua infância nunca tentou ser um líder de um time de futebol, e apenas estudava como um legítimo nerd, é retirada de maneira idêntica de uma HQ. Os fãs que reconhecerão o monólogo, certamente irão delirar. Sue Storm, por sua vez, tem uma importância extrema na trama, pois ela é a grande chave da ligação entre o Surfista e os terrestres e ainda tem que dividir seu tempo arrumando o noivado, já que Reed mais se dedica aos estudos que a vida social, e servir de figura materna para o irmão rebelde.

Já Johnny Storm é praticamente o protagonista do filme. Além do seu já conhecido jeito canastrão, mulherengo e fanático por show business, conhecemos agora seu lado mais humano e amargurado consigo mesmo. Seu contato com o Surfista é fundamental para o desenvolver da trama, mobilizando todos os demais personagens. Já o Coisa, percebemos uma evolução em relação ao filme anterior, pois aquele ser amargurado já está mais ciente de sua situação e se encontra acomodado ao lado de Alicia Masters. Coisa e Johnny se apresentam em situações opostas a que aparentavam, nenhum está feliz por completo, e mesmo com as implicâncias mútuas, a amizade entre eles mantém uma sensação firme de paz interior. A ótima cena do diálogo entre os dois em um bar é a clara representação disso.

Vale ressaltar que todas as interpretações evoluíram, pois se apresentam bem amadurecidos. Até Ioan Gruffudd, que nem de longe aparentava ter o ar de superioridade de Reed Richards, se mostra mais idetificado com o papel, apesar de sua jovialidade ainda ser um incômodo para os fãs do personagem (já que nas HQs ele tem por volta de 50 anos). Jessica Alba (com exageradas lentes azuis) continua com carinha de adolescente, e apesar do peso maior de sua personagem, é a que menos apresenta mudança em relação ao primeiro filme. E novamente, Chris Evans e Michael Chiklis roubam a cena, mostrando terem sido escolhas acertadas para encarnar o Tocha-Humana e o Coisa.

Entre mais detalhes, o que certamente se mostra o grande ponto fraco é o retorno do Doutor Destino. Vivido de maneira canastrona ao extremo por Julian McMahon (o que visivelmente enfraqueceu o filme), o personagem já não arranca mais tanto interesse do espectador, visto que esse já se encontra concentrado demais com a trama do Surfista, causando um desvio de atenção. Visto que sua aparição tem o único intuito de criar uma emocionante cena de luta ao fim, o personagem poderia sim muito bem ser cortado do roteiro e ser substituído por algum outro vilão, ou porque não, dar uma maior ênfase ao Gallatus, um dos vilões mais temidos das HQs. A aparição de Gallactus se dá de uma maneira criativa (visto que nas histórias, ele não possui forma física, e cada ser de diferente planeta o enxerga com uma forma diferente), mas é tão rápido que fica um gostinho de quero mais. Para um filme que possui apenas 89 minutos, não faria mal nenhum uns vinte minutos a mais e, assim, focar mais as conspirações do ‘Devorador de Mundos’. Outro detalhe relevante é a aparição do Fantasticarro, elemento essencial nas histórias do Quarteto, que se apresenta de maneira bem positiva. Conseguiram fazer um carro conversível voador soar real e não parecer piegas, como perigava.

Agora, é inegável que os efeitos especiais sejam o grande destaque do longa. Não poderia ter havido decisão mais acertada do que contratar a Weta Digital (de Peter Jackson, a mesma de “O Senhor dos Anéis”) para cuidar desse departamento, que evoluiu de maneira estrondosa em relação ao filme anterior, justificando o alto orçamento de 130 milhões de dólares. Os poderes de todos (principalmente do Tocha Humana) estão mais críveis, proporcionando uma emoção enorme nas cenas de ação. Bom destacar: o impacto das cenas de ação não se deve a condução fraca de Tim Story, e sim ao realismo dos efeitos. A perseguição do Tocha ao Surfista no túnel, a salvação a montanha-russa e, finalmente, o clímax quando Tocha adquire poderes extras (para os leitores das HQs, ele se transforma no Super Skull, nome não citado no filme), são momentos de extrema tensão para o espectador.

Finalmente, ele: o Surfista Prateado. Bem mais do que um chamariz, é a razão de tamanha evolução de qualidade desta continuação para o original. Utilizando a mesma técnica usada para fazer o Gollum de “O Senhor dos Anéis”, com um ator (o mímico Doug Jones, de “O Labirinto do Fauno”) servindo para captar os movimentos e o todo o resto criado digitalmente, foi possível transformar um Surfista realista, perfeito! Todos os movimentos, o brilho e até mesmo as expressões faciais de Doug Jones caíram como uma luva na retratação fidelíssima do personagem dos quadrinhos. Tudo ainda é reforçado com a potente voz de Laurence Fishburne. Suas cenas são sem dúvidas os melhores momentos do filme e fica uma decepção pela sua história não ser melhor aproveitada, pois ele é sem dúvidas um dos personagens mais complexos da Marvel Comics. Porém, o gancho explícito no fim do filme deixa mais do que claro que a intenção era deixar os aprofundamentos sobre o brilhoso para um futuro filme solo. E esse sim promete ser espetacular!

Nesse segundo episódio felizmente vemos que conseguiram captar o clima exato que as histórias do Quarteto tendem a propor, misturando mistério, assuntos familiares, muita ação e humor. A família de heróis da Marvel sempre teve um perfil interessante a ser abordado nos cinemas, e esse filme é a mostra que os personagens por si só garantem uma grande diversão, mesmo estando em mãos fracas. Nas mãos de um bom diretor (e não um que parece sempre estar dirigindo comédias lights) e um bom roteirista, um filme marcante das adaptações de quadrinhos poderia surgir. Por enquanto, nos contentamos com esse “Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado”, que ainda apresenta uma série de defeitos, mas só em mostrar uma considerável evolução em relação ao filme anterior, merece um ponto de confiança.

Thiago Sampaio
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