Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 02 de agosto de 2007

Dias de Trovão

“Dias de Trovão” é um divertido passatempo que agrada em cheio aos fãs de velocidade. Mesmo apresentando uma fórmula um tanto batida, cheia de clichês e com personagens estereotipados, o longa se sobressai pela boa condução de Tony Scott nos momentos de adrenalina.

No ano de 1986, o diretor Tony Scott (então conhecido apenas por ser irmão menos famoso de Ridley Scott) dirigiu a aventura sobre aviões de caça, “Top Gun – Ases Indomáveis”, produzido por ninguém menos que o ícone dos blockbusters Jerry Bruckheimer (juntamente com seu falecido sócio Don Simpson) e estrelado por um jovial Tom Cruise. A fórmula fez tanto sucesso, que três anos depois a mesma equipe resolveu se reunir novamente e começaram a conversa: “- Vamos aproveitar o sucesso de Top Gun, fazer um filme do mesmo estilo e lucrar mais milhões? – Ótimo, mas o que tem em mente? – Bom, podemos substituir os aviões por carros. – Perfeito, quando começamos?”. E assim, em 1990 surge “Dias de Trovão”, baseado em uma história original escrita pelo próprio Tom Cruise.

A idéia do filme é entendível, pois os filmes com o tema esporte sempre tiveram grande abertura no cinema, porém, poucos abordavam corridas por se tratar de um esporte um tanto mais complexo em linguagens cinematográficas. Até então, o melhor filme do gênero era (e em minha opinião, ainda é) o divertidíssimo “Corrida da Morte – Ano 2000”, estrelado por Sylvester Stallone (que muitos anos depois, estrelou o horrível “Alta Velocidade”, sobre Fórmula Indy). Até Roberto Carlos se aventurou no ramo, estrelando o também horrível “Roberto Carlos a 300Km por Hora”. Não cito os filmes do fusquinha Herbie, já que se tratavam de comédias, e as corridas eram pano de fundo do roteiro. Pois bem, havia chegado a hora de Scott mostrar que era capaz de fazer um filme espetacular de corrida, por mais que não esconda em nenhum momento suas raízes comerciais. Sendo assim, nada melhor que abordar a Nascar, categoria de corrida mais valorizada nos EUA.

Na trama, Cole Trickle (Cruise) é um jovem piloto de stock car que tem muito talento, mas nenhuma idéia de como canalizar este dom para obter vitórias. Porém, as coisas mudam quando Tim Daland (Randy Quaid) incumbe Harry Hogge (Robert Duvall), um veterano piloto de stock car, a construir um carro e contratar Cole para dirigi-lo. A partir de então Harry precisa passar para Cole sua filosofia de vitória e ensiná-lo como transformar seu talento cru em sucesso. Cole imediatamente entra em conflito com Rowdy Burns (Michael Rooker), o piloto mais badalado do circuito, mas esta rivalidade acaba criando um acidente, que manda ambos para o hospital. Por causa dos seus ferimentos, Rowdy é forçado a abandonar a competição. Sem seu principal rival para atormentá-lo, Cole acelera em direção de Claire Lewicki (Nicole Kidman), uma atraente médica que supervisiona a recuperação de Cole. A saúde de Cole é restabelecida, ele começa a correr novamente e parece que agora está fadado ao sucesso, mas tem que competir contra Russ Wheeler (Cary Elwes), que não quer apenas derrotar Cole, mas deixá-lo incapacitado para sempre.

O filme não traz muitas novidades em termos cinematográficos. Melhor falando, é constituído de uma sucessão de clichês característicos de um filme do estilo, como: o herói que tenta vencer acima de tudo – confere -, o seu adversário que acaba se tornando forçadamente o vilão da estória – confere -, a médica que, ao cuidar do herói do filme, acaba se apaixonando por ele – confere -, o fiel instrutor que tem o seu pupilo como um filho – confere. Ah, claro, o herói também passa por uma situação delicada no meio da projeção, afinal, uma boa “Sessão da Tarde” tem que ter uma dose de drama, por mais despretensiosa que seja. Como podemos ver, criatividade zero, até porque se trata de uma extensão explícita de “Top Gun”, em que nem o ator principal precisa ser trocado do posto de “herói galã” ao fazer esse paralelo entre os dois filmes, pois a essência é a mesma.

Tudo não passa de pano de fundo para a existência de cenas ‘divertidinhas’ como a disputa entre Cruise e seu adversário (vivido de maneira pra lá de estereotipada por Michael Rooker, fazendo direto cara de mal encarado com o intuito de ganhar a antipatia do espectador) em pleno hospital a bordo de cadeira de rodas, além, é claro, das cenas calientes do mocinho com seu par romântico (pra que elevador melhor para a então desconhecida Nicole Kidman?). Sem falar no pré-clímax um tanto quanto batido, quando os mecânicos pegam carcaças e peças de um carro acabado e transformam em uma máquina pra lá de potente e bela visualmente, que o protagonista usará na “corrida de sua vida”. É algo pra lá de batido, mas, quem um dia nunca se divertiu com essas fórmulas?

E afinal, o que o filme traz de bom então? Diversão de primeira linha. Isso já é muita coisa. As cenas de corrida são muito bem dirigidas, também pudera, já que contavam com pilotos profissionais e, inclusive, vários pilotos verdadeiros da Nascar fazem pontas no filme, como Rusty Wallace e Neil Bonnett. Só para se ter uma idéia, ao longo das filmagens foram destruídos 35 carros diferentes nas cenas de corrida. E realmente é impressionante a aerodinâmica apresentada pelos carros em cena, e o diretor faz questão de mostrar o interior de cada carro enfatizando a tensão do piloto. Quando há os choques entre os carros e eles saem girando (algo um tanto comum em Nascar), percebe-se o realismo nas cenas, e não um uso gratuito de efeitos especiais. Então o espectador consegue sentir essa emoção, como se estivesse assistindo a uma corrida de verdade, tendo seu corredor favorito e torcendo por ele.

Tom Cruise está visivelmente se divertindo em cena, se mostrando bem a vontade, mas nem por isso, deixando de apresentar uma boa performance. Por mais que seu personagem não exija muito esforço (isso porque, nas cenas de corrida, quem estava no seu lugar era o piloto profissional da Nascar, Greg Sacks), ele exibe uma boa carga dramática em alguns momentos, principalmente logo após o seu acidente, quando é deitado em uma cama de hospital, exalando desespero. Nicole Kidman, por sua vez, está linda (bom ressaltar, dando de dez em Kelly McGills, par de Cruise em “Top Gun”), e apresenta uma performance meiga e cativante, mostrando ao mundo uma palhinha da ótima atriz que viria a surgir. Para quem não sabe, Cruise e Kidman se conheceram e se apaixonaram durante as filmagens. Na época, Cruise estava casado com a também atriz Mimi Rogers, mas dela se separou e com Kidman se casou logo no ano seguinte ao do término das filmagens. Robert Duvall está esbanjando experiência e dando o ar ideal de superioridade e fraternidade que o personagem possui, sendo uma espécie de mentor para o protagonista. Completando o elenco, Randy Quaid também está muito correto, de modo que seu jeito canastrão, porém divertido, caiu de forma ideal ao arrogante e dedicado Tim Daland.

Enfim, é um filme que cumpre bem o papel a que veio e agrada aos que querem uma boa diversão, muita velocidade e uma história que não exige muito raciocínio. Não chega a ter o carisma de “Top Gun”, mas possui os ingredientes exatos para entreter o espectador com um romance, draminha básico e muita adrenalina. Uma “Sessão da Tarde” satisfatória, porém, não marcante.

Thiago Sampaio
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