Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 04 de julho de 2007

Herói

Em 2004, dois anos depois de ser exibido nas salas de projeção chinesas, "Herói" ganhou os cinemas estadunidenses e, conseqüentemente, de outros países. Pode-se dizer que toda a espera realmente valeu a pena, visto que o filme é um espetáculo visual e sonoro responsável por emocionar até mesmo os mais frios. Com cenas de deixar qualquer um sem palavras, o longa-metragem trata com lirismo e beleza a história dos personagens, cativando ainda mais o público.

Em 2002, estreou nos cinemas chineses "Herói", mais uma produção oriental que prometia muita beleza e emoção. O filme, a priori, não seria exibido em circuito comercial de muitos países. Porém, devido ao enorme sucesso alcançado pelo longa-metragem, a Miramax logo interessou-se em distribuí-lo. Infelizmente, passou muito tempo na "geladeira" da distribuidora, com o público apenas tendo acesso ao projeto através de meios não-convencionais. Transformou-se, então, em uma produção vista mais pelo chamado público "cult". Todavia, insatisfeito com a falta de divulgação, Quentin Tarantino resolveu atrelar o seu nome ao projeto. E foi assim que, finalmente, após dois anos, este filme repleto de lirismo chegou aos cinemas dos Estados Unidos e de outros lugares do mundo.

A trama mistura realidade com ficção. Antes do surgimento do primeiro imperador da China, a nação dividia-se em sete reinos, todos lutando por supremacia. Determinado a dominar o país estava Qin (Daoming Chen), soberano da província do Norte obcecado com a idéia de tornar-se o primeiro imperador chinês. Ele, portanto, era um constante alvo de assassinato. No entanto, os prováveis assassinos que mais o preocupavam eram Espada Quebrada (Tony Leung), Neve Que Voa (Maggie Cheung) e Céu (Donnie Yen). Temendo a sua morte, o Rei prometeu saúde e poder infinitos a qualquer um que derrotasse os três nomes citados anteriormente. Após dez anos do estabelecimento da promessa, Sem Nome (Jet Li) trouxe para o soberano as armas dos três assassinos visados. O homem clamou ter dedicado boa parte de seu tempo ao estudo da espada e, basicamente por isso, conseguiu matar os competentes Espada Quebrada, Neve Que Voa e Céu. O Rei, então, achando estranha a história contada por Sem Nome, contesta a versão explicada, dando outra baseada em seu ponto de vista. Surge aí um emaranhado de fatos e cada vez mais a beleza vai dominando a tela.

A princípio, confesso que a sinopse em si não me pareceu muito interessante. Não pelo fato de dar margem a batalhas, e sim por ter achado, primeiramente, um pouco rasa. A motivação do roteiro, a priori, parece ser fraca e frágil. Se tudo fosse baseado apenas na captura dos três "assassinos", de fato, seria uma pena. Como a forma de abordagem transcendeu valores e trouxe bastantes fatos a apenas uma história, o roteiro tornou-se mais interessante. A idéia de trazer diferentes versões para cada trama explicada foi crucial para a melhoria da beleza do filme, já que, através deste fato, conseguiu acoplar vários fatores distintos, como cenário, figurino e afins, da maneira mais significativa possível. Além disso, devido aos distintos pontos de vista, a história ganha mais dinamismo, com as diversas reviravoltas implementadas, e torna-se cada vez mais interessante.

A fotografia magistral de Christopher Doyle, constantemente modificada de acordo com as subtramas, o predomínio de cores diferentes, a trilha sonora, os cenários, todos contribuem intrinsecamente para que o longa transforme-se em um exemplar de beleza aos olhares dos mais sensíveis. Os espectadores logo notarão que a opção de usar diversas cores, diferindo de acordo com a versão retratada da história, apenas criou um tom mais envolvente para o longa. Seja vermelha, verde, azul ou branca, cada tonalidade tem um papel importante no entendimento dos sentimentos dos personagens e não foi apenas usada para abrilhantar o projeto. As cores expressam as emoções dos personagens e fazem com que o público apaixone-se cada vez mais pelo filme.

O diretor Yimou Zhang mostrou-se, de fato, experiente em cinema oriental, conseguindo gravar cenas de lutas de maneira magistral e sabendo muito bem destacar movimentos em específico quando necessário. Além disso, Zhang demonstrou segurança ao decorrer do filme, provando que conhece como movimentar as câmeras de maneira eficaz. Quando há uma necessidade maior de destacar as emoções, o diretor tem a sensibilidade suficiente para notar e fazer o possível para que o destaque realmente ocorra. Por sua vez, sabe também a função de tomadas abertas, muitas vezes destacando o cenário suntuoso abordado no filme. Ao lado do diretor de fotografia Christopher Doyle, Zhang foi capaz de filmar algumas das mais belas lutas travadas em um filme. É interessante notar que, sempre que o ponto de vista é modificado no decorrer da produção, o cenário, as cores e, conseqüentemente, a fotografia também difere das anteriores. Doyle modifica os ambientes do filme de acordo com as versões dos personagens, fazendo com que as tomadas ganhem lugar em montanhas, lagos, etc. É de encher os olhos!

A seqüência em que Neve Que Voa trava uma batalha contra Lua é magistral. A cor vermelha predominante nos figurinos contrasta com o ambiente e o céu aberto. Para embelezar mais ainda a cena, foram usadas folhas com tons amarelados. Tudo casado de maneira perfeita, apenas deixando o público literalmente sem palavras. Belo. Sem contar que os movimentos da luta foram bem abordados pelo diretor, que fez questão de demonstrar a leveza dos fatos. E, quando pensamos que nada mais marcante pode ocorrer nesta única cena, uma espada é fincada em uma árvore, enquanto uma gota de sangue cai vagarosamente. Mais belo ainda.

A trilha sonora é típica oriental. Com melodias agradáveis e harmoniosas, as seqüências recebem um melhor tratamento. Quem perceber, as canções e efeitos casam perfeitamente com os movimentos dos personagens no decorrer do filme. "Herói", de fato, é um filme que põe em destaque praticamente todos sentidos que o cinema pode aguçar. Trata exemplarmente de maneira visual e auditiva, ganhando plenamente a admiração do espectador. Infelizmente, apenas pude conferir o longa-metragem em DVD, no entanto tenho certeza que a experiência de assistir a um filme como este em uma sala de projeção deva ser indescritível.

Os atores também desempenham as suas respectivas funções de maneira convincente. Jet Li, mais conhecido por integrar elenco de filmes de ação, faz de Sem Nome um personagem fechado e recatado, como se tivesse uma armadura a ser quebrada. Com o decorrer do filme, entendemos plenamente a essência de seu papel e vemos como Li conseguiu incorporá-lo de maneira significativa. Maggie Cheung, de filmes como "Amor À Flor da Pele" e "2046: Segredos do Amor", faz de Neve Que Voa uma das personagens mais interessantes do longa. Mesmo com poucas falas, Cheung aborda com emoção os sentimentos diversos de sua personagem e emociona apenas com o olhar. Tony Leung Chiu Wai, que contracenou com Maggie nos dois filmes citados, faz de Espada Quebrada outro papel marcante no decorrer do filme e talvez o que mais ganhe a simpatia do público devido a intensa luta por seu ideal. Embora todos lutem por um fato, Espada Quebrada foi o que primeiro entendeu a dimensão do "problema" e Leung foi capaz de trazer a "sabedoria" necessária para o seu personagem. Vale ressaltar a pequena participação de Zhang Ziyi como Lua. Famosa por seus papéis em "O Tigre e o Dragão", "A Hora do Rush 2", "O Clã das Adagas Voadoras", entre outros, Ziyi apenas foi uma coadjuvante dos coadjuvantes, porém, ainda assim, demonstrou, como sempre, o talento que possui ao incorporar a intensa admiração, carinho e fidelidade que sua personagem sentia por seu mestre Espada Quebrada.

"Herói" é um espetáculo visual e auditivo que deve, obrigatoriamente, ser assistido pelos cinéfilos. O filme trata a história com um lirismo e poesia imensos, que pode fazer com que, acredito, até os mais frios e calculistas emocionem-se no decorrer da projeção. Singelo e belo são palavras mais condizentes com a intenção repassada pelo diretor Yimou Zhang neste longa. Agradecemos a Tarantino por ter possuído a sensibilidade de atrelar o seu nome à produção, fazendo com que esta ganhasse os cinemas mundiais, mesmo depois de dois anos de ser originada. Que mais obras-primas como "Herói" surjam no meio cinematográfico!

Andreisa Caminha
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