Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 04 de novembro de 2006

Uma Verdade Inconveniente

Com uma linguagem simples, embora às vezes um tanto monótona e cansativa, Al Gore consegue ser um excelente palestrante, abordando um tema de preocupação mundial e completamente alarmante, mesmo que às vezes recaía sobre um espírito de magnificar o povo americano, um dos pequenos, mas cruciais erros do documentário.

Que a Terra está cada vez mais quente, isso já sabemos. Que o homem pode ser o principal causador de tal fato, nem todos sabem. Mas conhecer todos os problemas e especificar as alterações que aconteceram no mundo ao longo dos tempos boa parte de nós, meros espectadores que buscamos o cinema muitas vezes para esquecer por alguns minutos o mundo real, com certeza absoluta não sabe. Al Gore, o "ex-futuro presidente dos Estados Unidos", apresenta neste documentário, que em sua maior parte se resume a uma palestra que ele levou pelo mundo, uma estrutura narrativa que de certa forma prende o espectador.

Utilizando-se de uma estrutura semelhante a um filme, Al Gore traz alguns fatores de alterações climáticas no mundo inteiro, de forma a logo chamar a atenção do espectador e apresentar de maneira clara o que o documentário traz. Com uma comunicação clara, ele consegue demonstrar os fatos, de forma a não deixar nenhuma possibilidade de dúvida na cabeça do espectador, já que em nenhum momento este pára para assimilar tais informações.

Durante a produção também há inserções documentais sobre fatos da vida de Gore, que intercalam grande parte dos momentos monótonos da palestra em que se baseia maior parte do documentário. Tais inserções são até interessantes e ajudam a humanizar a imagem de Gore, colocando-o como também ser humano, com decepções, alegrias e tristezas que o povo comum, seja de qualquer nação, enfrenta normalmente em sua vida (claro que há as distintas diferenças de classes, afinal, o sofrimento de Gore não é o mesmo sofrimento de uma família pobre nos Estados Unidos, mas ao menos há uma quebra nessa barreira de "celebridade" ou "ser olimpiano" de Gore, de forma a identificá-lo como do povo).

Mesmo com esta estruturação, o filme não consegue chegar nem aos pés de produções do gênero como "Tiros em Columbine" ou "Farenheit 9/11", os dois documentários dirigidos por Michael Moore. Claro (ressalto aqui), não é que Michael Moore aborde temas mais interessantes. Não cabe aqui nem julgar essa temática, já que as mesmas se apresentam de suma importância, seja Al Gore com sua previsão futurista do apocalipse ou Moore com o massacre a parte da sociedade americana. Mas em se tratando de questões de como conseguir não cair em uma monotonia de às vezes fazer com que o espectador divague sobre outros pontos, ou até mesmo lembre-se de sua realidade fora da sala de projeção, Moore se mostra muito mais interessante que Al Gore. Na verdade, não ache estranho se por acaso no meio de "Uma Verdade Inconveniente" você comece a relembrar das suas aulas de geografia do colégio, elas são parecidas (para alguns isso pode não parecer tão bom).

Infelizmente, Gore também se deixa levar pelo ufanismo e pela exaltação do povo americano. Não sendo insensível, mas há momentos bem claros e específicos da famosa baboseira americana de "nós dissemos nunca mais ao terrorismo" ou "a democracia americana é um recurso renovável". O filme em determinados momentos parece se tornar um discurso eleitoreiro para as próximas eleições do que um documentário em si. Mesmo tendo essa impressão de cabo eleitoral, não há em nenhum momento tal intenção transposta acima da urgência do tema.

Novamente, é sempre interessante vermos um assunto de tamanha urgência dentro da sociedade, mesmo que, muito embora, ele ainda esteja longe dos meios de comunicação de massa, onde pode atingir um número cada vez maior de possíveis adeptos à defesa do ambiente.

O filme no fim das contas vale muito mais pelo tema abordado (que é o maior responsável pela nota desta crítica) do que pela construção documental dos seus 100 minutos de duração. Ainda assim será bastante válido para quem não curte um cinema pipocão e está muito mais interessado em películas que passem uma mensagem. Caso contrário, é melhor esperar sair em DVD, mesmo sendo muito interessante.

Leonardo Heffer
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