Com uma temática nada inovadora, o cinema nacional investe em uma produção basicamente teatral que tem lá seus pontos positivos, mas mesmo assim não é capaz de se destacar no cinema brasileiro.
O longa conta a história de Edu (Vladimir Brichta) e Laura (Alinne Moraes), um casal que se conheceu ainda jovem e casaram-se logo em seguida. Alguns anos mais tarde, os pombinhos que até então eram só felicidade começaram a atravessar uma crise no casamento e para completar, Edu ainda morre! Mas a história deles não podia terminar desse jeito e precisava se despedir e resolver tudo com a moça. Para isso, precisava achar uma forma de comunicar-se com ela e a solução foi pedir ajuda a outro fantasma, o Fantasma do Coração de Pedra (Gustavo Falcão), uma assombração experiente, que não gosta de companhia, mas que tem as respostas para as dúvidas de Edu sobre esse novo mundo. "Fica Comigo Esta Noite" vai discorrendo sobre um amor desgastado pelo cotidiano, reavivado na situação limite da morte.
Dirigido e roteirizado por João Falcão, “Fica Comigo Esta Noite” procurou fórmulas nada inovadoras para desenvolver sua narrativa. Com uma história para lá de batida sobre amor além da vida e fantasmas querendo se comunicar com humanos, agora é a vez do cinema brasileiro se registrar em mais um clichê americano. Pode até parecer exagero, já que o longa é baseado em uma peça teatral da nossa terrinha, mas a essência do lugar comum existe e é fato. Um dos erros que algumas pessoas costumam cometer quando se deparam com uma produção adaptada do teatro é tratar com tolerância a forma rebuscada que a adaptação foi feita, procurando não perder as origens. Claro que isso deve existir e fica óbvio o tempo todo na projeção que suas raízes teatrais foram mantidas, mas estas devem se moldar com o estilo de adaptação que foi escolhido para ser feito. A partir do momento em que transportamos dos palcos para as telonas uma história qualquer, é necessário se moldar dentro da linguagem cinematográfica para que haja uma dissociação de gêneros lingüísticos. É muito compreensível aceitar uma produção medíocre e jogar a culpa no teatro, sem falar que isso é totalmente errado. Obras teatrais nem sempre são inferiores ao cinema, e quando passam para película, devem receber o espírito da coisa e se enquadrar no panorama. “Fica Comigo Esta Noite” bate muito na mesma tecla de que o público compreenderá o estilo teatral na qual foi encaixado, mas deixa de lado uma maior identificação com o cinema, o que, particularmente, é uma falha grave.
João Falcão deu um tratamento tão pesado para a película, que seus clichês não puderam ser amenizados como ocorre muitas vezes com o público teatral, e infelizmente não construiu uma narrativa cinematográfica que servisse de exemplo ao cinema nacional. Não desmereço seu total esforço em apostar em um tema batidinho e ainda assim agradar levemente (eu falei levemente) a quem o assiste, principalmente se este tiver de bom humor. Com uma historinha rala e objetiva, o pragmatismo do roteiro de João Falcão chega a incomodar, mas tem lá suas qualidades. Um tanto quanto poético e ousado, o enredo usa da sutileza para capturar a atenção do público, e tais características foram reforçadas com a direção cuidadosa do diretor-roteirista. Procurando preservar uma iluminação fosca e cenários simples, moldados no teatro, exclui efeitos visuais elaborados e investe na praticidade para rodar a película, sem deixar de estudar uma fotografia agradável ao olho do espectador e fazer uma disposição de planos despretensiosa, mostrando sua afinidade com a história. A forma como os personagens foram reconstruídos também dão um certo ar de competência, que logo é parcialmente destruído pela atuação superficial do elenco.
Vladimir Brichta não é mais do que um ator razoável com suas marcas de oralidade e tiques que sempre vemos nas suas novelas. O fato não é que ele tenha sido incompetente ao viver Edu, mas sim é que outro ator mais experiente teria dado uma versatilidade maior ao personagem, até porque o roteiro trabalha isso em vários âmbitos que não foram bem aproveitados por Brichta. Alinne Moraes e sua beleza indiscutível mostra-se tímida e ainda com uma atuação perceptivelmente televisiva, infelizmente aparentando ainda um leve despreparo para a indústria cinematográfica, mas que pode ser trabalhado se investir em projetos realmente sólidos. Contrapondo isso, a melhor atuação mesmo é de Gustavo Falcão, que constrói um personagem particularmente exótico e cativante, apesar de sua chatice e mistérios fajutos, mas é o que faz render mais em cena e ganha reconhecimento justamente por não ser uma cara tão conhecida como os protagonistas. Os veteranos Laura Cardoso e Milton Gonçalves fazem uma participação fraquíssima, sem espaço para um bom desenvolvimento de seus personagens, mas é sempre bom ver atores competentes em cena. Milton chegou até a ser prejudicado em um dos melhores momentos da trama, quando o mal uso do áudio atrapalhou o que seria cômico.
Usando o recurso narrativo em off, João Falcão acaba dando instabilidade à trama, já que o áudio acaba se fundindo com a imagem e não há um certo distanciamento dos objetos em cena, o que no teatro é perfeitamente aceitável, mas no cinema deve ser melhor tratado. Com uma trilha sonora nada mais do que superficial, torna-se repetitiva e não dá ritmo à história e juntamente à pouca disposição dos personagens, não convence em nenhum momento. Além disso, as piadas mal trabalhadas pelo roteiro e mal expostas pelos atores desce um degrau a mais na qualidade da produção, que seria até mais aceitável ter sido feita em forma de especial televisivo, cujo sucesso seria garantido. Isso me remete ao recente “Trair e Coçar, é só Começar”, que eu fiz essa mesma colocação e que, por coincidência ou não, é baseado em uma peça teatral e não sai do lugar comum. Apesar de não dar para comparar esses dois filmes que se encontram em lados extremos, “Fica Comigo Esta Noite” ainda tem a capacidade de agradar àqueles que não vão esperando muita coisa, até porque houve um certo engano pela produtora ao vende-lo como comédia romântica, já que agrada mais em outras vertentes, já que o filme se mostra além disso. Enfim, vale a pena conferir sem compromisso e não fica chatinho como outros filmes brasileiros, até porque sua duração é curta e perfeitamente suportável.