Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 22 de setembro de 2006

Diabo Veste Prada, O

"O Diabo Veste Prada" é um dos poucos projetos cinematográficos que, mesmo possuindo clichês e situações triviais, consegue conquistar o público consideravelmente. Como esperado, é um longa que preza o mundo da moda, no entanto, não se limita apenas a isso. Ótimas atuações, ótimas músicas, ótimas situações do cenário fashion e ótimos figurinos transformam este filme em uma opção obrigatória aos freqüentadores mais assíduos das salas de cinema.

"O Diabo Veste Prada" foi uma das maiores surpresas do cinema atual. Com um orçamento simplório de 35 milhões de dólares, já arrecadou mais de 120 milhões nos Estados Unidos. Com tanto lucro em seu país de origem, o filme, mesmo programado para chegar ao solo brasileiro bem depois da estréia nas terras do Tio Sam, gerou inúmeras expectativas naqueles que prezam uma boa diversão. Para aflorar mais ainda a curiosidade dos espectadores, a diva Meryl Streep é a responsável por interpretar Miranda Pristley, a malvada editora-chefe de uma das maiores revistas de moda. Em qualquer filme, Streep é sempre uma boa pedida. Ao lado dela, outros atores não tão conhecidos assim, porém que, definitivamente, têm cacife para desempenhar um bom trabalho e fazer jus à produção. Mas afinal, será que todas as expectativas do público brasileiro em torno de "O Diabo Veste Prada" foram infundadas? Discorrerei a respeito disso mais adiante.

Baseada no best-seller homônimo escrito por Lauren Weisberger, a trama retrata a difícil convivência entre uma garota que aspira exercer o jornalismo e sua chefe, uma poderosa editora de uma revista de moda. Após ter se graduado, Andrea Sachs (Anne Hathaway) mudou-se para Nova York com o intuito de finalmente se tornar a jornalista que desejava ser. No entanto, empregos bons na cidade não são tão fáceis quanto a menina pensava. Quando consegue uma entrevista para ser a segunda assistente de Miranda Priestly (Meryl Streep), a editora-chefe da Runway, uma das maiores revistas de moda, a jovem, que não possui nenhum senso de estilo, pensa que esta pode ser a chance da sua vida. Miranda tem muitos contatos, portanto, se Andy desempenhasse um bom trabalho, poderia ser indicada a algum veículo para trabalhar como jornalista. E é pensando nisso que a inocente jovem entra no reduto da glamourosa revista. No entanto, o que ela não espera é que sua chefe seja uma das piores pessoas do mundo. Arrogante e cheia de si, Miranda, quando deseja, consegue infernizar a vida de todos os seus empregados. Assim, Andy aceita o desafio de agradar Miranda, responsável por incumbi-la das mais difíceis tarefas, ao mesmo tempo em que passa a conhecer o mundo fashion.

Nos primeiros minutos da projeção, vemos closes que valorizam as roupas e acessórios usados por mulheres bonitas e antenadas a respeito do conceito de moda. Os mais impacientes já pensam que irão se deparar com um filme cujo principal objetivo é agradar apenas àqueles interessados nos figurinos do cenário fashion. Felizmente, "O Diabo Veste Prada" não se limita apenas a isso. Mesmo as pessoas que não valorizam tanto o mundo ditatorial da moda serão surpreendidas pelos belíssimos figurinos e passarão a realmente se interessar por este ambiente que, para a maioria dos indivíduos, é superficial e extremamente manipulador.

O cineasta David Frankel ainda é inexperiente em relação a direção de filmes. Responsável por dirigir alguns episódios do seriado "Sex and the City", Frankel se mostra à vontade perante as câmeras, sabendo abordar muito bem os quesitos necessários para tornar as tomadas interessantes. Em nenhum momento, o filme cai em uma atmosfera monótona, embora mexa praticamente sempre com as mesmas pessoas e os mesmos assuntos. A duração de aproximadamente 1h45 pareceu que passou rápido para aqueles que se envolveram totalmente com a trama. Acima de tudo, Frankel consegue tirar o melhor de Nova York e Paris. Por intermédio de suas câmeras, a aparência de grandiosidade da cidade nova iorquina, com sua famosa correria e prédios imponentes, é claramente vista. Enquanto a glamourosa Paris é abordada de uma maneira mais sutil, frágil, com suas luzes que despertam paixão, demostrando ser um dos maiores antros do mundo fashion.

Os bastidores da moda também são acompanhados com clareza. Vemos o que as pessoas são capazes de fazer para incorporarem o conceito do que é belo em uma cena em que Emily (Emily Blunt) relata o que faz para se manter magra. É ressaltado, também, o competitivo mundo do trabalho, no qual é necessário passar por cima de algumas pessoas para que o resultado visto como ideal seja alcançado. No entanto, o filme acaba caindo em clichês básicos de produções do tipo. Toda a história parece muito correta. Uma jovem se muda à cidade grande com o intuito de conseguir o seu emprego dos sonhos. No meio de sua trajetória, depara-se com uma megera (ou seria uma diaba, como sugere o título?) que inferniza a sua vida e tenta levá-la para o mau caminho. Com o tempo, a garota repara que, de fato, está mudando, deixando de lado algumas idéias importantes que tinha. Volta a descobrir, então, o que é realmente importante para ela, libertando-se, assim, daquilo que a escravizava, consumia todo o seu tempo e lhe fazia, aparentemente, mal. Parece toda aquela história de conto de fadas com uma lição de moral no final.

No entanto, mesmo que sua trama se apresente de uma maneira superficial e bastante conhecida, este projeto, incrivelmente, agrada em outras formas, fazendo com que os clichês possam ser facilmente esquecidos. Geralmente, quando nos deparamos com filmes, principalmente do gênero comédia, que preocupam-se em retratar aqueles assuntos mais básicos, há uma certa tendência de outros aspectos serem também descartáveis, o que faz com que nos preocupemos em analisar os longas principalmente por seu roteiro falho. Isso, felizmente, não acontece com "O Diabo Veste Prada". Graças à competência da equipe técnica, assim como há pontos baixos, há pontos altos também, estes que se sobressaem ao restante da trama. Por exemplo, os figurinos, criados por Patricia Field (que também criou os looks das personagens do seriado "Sex and the City") integram outro aspecto notável do filme, embora seja mais do que uma obrigação em uma produção que preza o mundo fashion. Outro quesito a ser observado é a trilha sonora. As músicas todas se encaixam bem com as situações apresentadas no filme, embalando bons momentos da produção, sejam os que pendem para a correria, para a comédia ou aqueles que ressaltam mais a simpatia perante o público para com o projeto. Ao fazer uso de canções famosas e intérpretes renomados como Madonna, U2, Jamiroquai, Moby e Alanis Morissette, agrada o público em geral. Boa trilha que poderá resultar em ótimos momentos de diversão e descontração.

O elenco dá um show a parte. Meryl Streep está de volta. Ela, que é tida como referência no cinema mundial, é sempre responsável por competentes interpretações, e elogiá-la seria, de certa forma, redundante. Ela já se tornou uma lenda entre os atores por incorporar perfeitamente os seus personagens, não dando tanta margem a críticas negativas. Seus maiores papéis foram, definitivamente, em dramas, mas, em "O Diabo Veste Prada", Streep prova que se adapta a qualquer gênero de filme. Demonstra que realmente possui um certo timing para comédia. Ela dá um ar superior à Miranda Pristley e nos conquista apenas com suas expressões faciais. Sinceramente, falas no roteiro não são nem necessárias para fazer com que Streep desempenhe bem o seu trabalho. A atriz faz com que sua personagem saia de uma armadura de frieza a uma fragilidade esplêndida em um piscar de olhos. Sem contar que, embora seja a vilã do filme, nos penaliza de maneira tal que sequer conseguimos odiá-la e passamos até a compreendê-la.

Ao lado da lenda viva do cinema de Hollywood, está Anne Hathaway, ainda um pouco inexperiente, é verdade, porém tão cheia de vida e ânimo que faz com que qualquer pessoa simpatize com ela. Ela, antes de "O Segredo de Brokeback Mountain", era apenas conhecida por atuar nos filmes da Disney de "O Diário da Princesa". Todavia, na medida em que cresce no mundo hollywoodiano, Hathaway vem se mostrando cada vez mais competente, embora, algumas vezes, se perca em sua personagem. Mas este fato pode ser totalmente esquecido pelo saldo competente de sua atuação em geral. Outro destaque do elenco é Emily Blunt, um rosto novo no mundo cinematográfico. Não muito conhecida no Brasil, em "O Diabo Veste Prada" vem mostrar que possui, sim, talento, e tem tudo para despontar na carreira artística. A maneira como interpreta Emily, a primeira assistente de Miranda, é indescritível, roubando a maioria das cenas onde contracena com Anne, por exemplo. Outro ponto alto é o seu sotaque britânico. Embora a atriz seja realmente inglesa, adorei a maneira como ela fala, o que fez com que conquistasse mais ainda a minha simpatia. A famosa modelo brasileira Gisele Bündchen também faz parte do elenco do filme, embora a sua personagem tenha falas bastante reduzidas e seja totalmente descartável. Já Stanley Tucci incorporando o simpático Nigel é, definitivamente, o ponto alto do elenco masculino.

Embora possua algumas falhas em seu roteiro, "O Diabo Veste Prada" consegue sobressair-se em outros fatores, conquistando o público plenamente. Com uma boa abordagem do mundo das modelos feita pelo diretor David Frankel, até aqueles que não são ligados à moda poderão gostar deste filme. E mesmo que não apreciem o estilo, a ótima e marcante atuação de Meryl Streep definitivamente valerá o tempo e dinheiro empregados nesta diversão. E, como diria a imponente Miranda Pristley, that's all.

Andreisa Caminha
@

Compartilhe

Saiba mais sobre