Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 16 de setembro de 2006

Abismo do Medo

Ele não traz nada de inovador, muito menos chama atenção caso você não seja um aficionado por filmes de terror. Mas é se utilizando muito bem do básico, desde o elenco, passando pelas cenas e terminando no roteiro, que o filme consegue se sobressair em seu gênero.

Depois de perder dois queridíssimos entes familiares Sarah (Shauna Macdonald) passa por momentos ruins, mas é com o apoio das amigas que ela volta à ativa. Ninguém mais poderia dar-lhe forças do que suas amigas Juno (Natalie Jackson Mendoza), Beth (Alex Reid), Rebecca (Saskia Mulder) e Sam (MyAnna Buring), pois geralmente elas se reúnem em busca da emoção, seja fazendo rappel, canoagem, alpinismo ou outro tipo de esporte radical. Para selar de vez o fim da má fase de Sarah, nada melhor do que todas se reunirem e curtirem um desses programas e é isso que fazem, mas dessa vez enfrentam o desafio de explorar uma caverna. Além das já rotineiras amigas, se junta ao grupo uma amiga de Juno, uma metida a radical chamada Holly (Nora-Jane Noone). Porém, essa caverna reserva muito mais do que todas juntas poderia esperar e é essa a trama principal do filme.

Ir para uma sala de cinema totalmente sem esperanças quanto às premissas de um filme, é fenomenal quando esse mesmo filme te surpreende mesmo que em um ou outro aspecto. “Abismo do Medo” é isso. Sem esperar muito da produção ela acaba apresentando alguns aspectos que são dignos de elogios. O melhor é que cumpre muito bem com o seu dever: prender o espectador e, de quebra, ainda nos deixa completamente perturbado com algumas de suas cenas.

Outro fator interessante é que ele não apresenta nada de novo para o tema terror, mas é se utilizando daquilo que já conhecemos de outros filmes, que ele se promove muito bem. É trabalhando bem esses artifícios que se usa para fazer filme de terror – e misturando um pouco mais de inteligência com relação a outros filmes do gênero que vemos por aí – que ele se sobressai. Para tanto, vale ressaltar a belíssima direção de Neil Marshall (que também assina o roteiro) que soube dar o tom certo ao longa, além de uma belíssima condução.

Pelo início do filme, até parece que ele será só mais um, ou que nem será bom mesmo, pois demora muito a demonstrar o seu estilo. Depois que o filme terminou e analisei o todo, fica claro que todo aquele começo aparentemente cansativo e lento, era mais do que necessário. Além do mais, lá pelo fim, algumas coisas que pareciam ser inicialmente inúteis acabam sendo bem utilizadas, testando assim a eficácia da memória do espectador e sua capacidade de juntar fatos ao longo do filme, o que deixa a condução e o roteiro um tanto quanto inteligente, visto que ele não perde tempo explicando detalhes, pois esses podem ser facilmente percebidos ao transcorrer dos minutos.

É bem interessante o fato do roteiro não ser carregado de personagens estereotipados, pois se isso ocorresse saberíamos quem ia se lascar, quem ia sair ileso, quem seria o bonzinho ou o mal e assim sucessivamente. Trabalhando bem essa questão, uma escolha certa foi o filme todo ser praticamente ser feito por mulheres. Quem disse que é preciso ter homem em uma expedição de risco? Que nada! O tal grupo formado só de mulheres conseguiu criar um carisma para com os espectadores bem melhor do que se fosse mostrado o que já estávamos acostumados: um cara forte, outro que sabe lutar muito bem, algumas mulheres para morrer e personagens descartáveis. Nesse não, os personagens são bem definidos e só sabemos a real função deles quando realmente o filme mostra, até lá, não sabemos o que vai acontecer com essa ou aquela outra do grupo.

Lógico, isso não se fez só pela escolha de se trabalhar com mulheres no âmbito principal do filme, mas também pelo fato de que, pelo menos para mim, todas as atrizes eram desconhecidas. Mesmo sendo pouco famosas (ou quase não famosas) é que uma ou outra consegue surpreender. Shauna Macdonald, por exemplos, tem momentos brilhantes na pele de Sarah e Natalie Jackson Mendoza, como Juno, completa esses momentos. A segunda, diga-se de passagem, é muito parecida com a famosa atriz Lucy Liu de “As Panteras”, dêem uma olhada e digam se não parece.

Infelizmente o filme não pode ter uma nota maior apregoada, pois não se utiliza de inovações boas para o gênero. Tem também o fato de que o roteiro, por mais que seja bom e bem conduzido, apresenta furos. É, esses furos serão visto pelos olhares mais atentos (ou mais chatos), mas eles estão lá e não pude deixar de falar neles. Quem costuma identificar isso pode ficar um pouco chateado, mas, pelo menos a meu ver, isso quase não influenciou no saldo geral, visto que mesmo esses pequenos deslizes existindo, a proposta do filme foi muito bem alcançada.

Raphael PH Santos
@phsantos

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