Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 10 de setembro de 2006

Lucas, um Intruso no Formigueiro

Deixando bem claro que sua intenção é animar e passar uma lição por meio de fábula para a criançada, "Lucas, um Intruso no Formigueiro" não pode ser considerado um filme descartável para se mostrar aos baixinhos, mas ele vai se perder no meio de boas animações do ano.

O filme de tão imenso título – que eu reduzirei para "Lucas" tendo em vista motivos óbvios – marca a estréia de uma nova grande produtora no mercado da animação. Esse é o primeiro filme da Warner Bros. (oh!). Como era de se esperar, face ao crescimento quase incontrolável das animações no mercado cinematográfico, a Warner não abriu mão de competir com outras grandes produtoras nesse ainda novo, porém promissor, mercado. Para ser um início, até que foi direitinho, mas muito longe do nível de suas concorrentes.

Nessa trama animada – que pode ser considerada uma fábula -, somos apresentados ao pequenino Lucas (o tal intruso aí). Justamente por essa sua falta de altura, ele passa maus bocados frente aos moleques brigões, e maiores do que ele, de sua rua. Não podendo revidar da forma que deseja, ele acaba despejando sua raiva nas formiguinhas que habitam seu quintal. Mas um dia, quando um "mago-formiga" chamado Zoc descobre uma poderosa fórmula para encolher humanos, Lucas sente na pele o que é ser uma formiga, ou melhor, o que é ser realmente pequeno. Porém, em vez de encontrar um mundo assustador, onde ele vai ser totalmente rejeitado, consegue o que mais queria na vida: amigos. Amigos esses que, depois de um momento de desconfiança, passam a mostrar as coisas boas que fazem a vida ter um pouco mais de valor.

Espera aí, "mago-formiga"?! É isso mesmo, o primeiro, a meu ver, erro da animação. Se for para ser feito um filme sobre insetos, que usem insetos (como em "FormiguinhaZ" e "Vida de Inseto"), mas resolveram dar um toque de humanidade a esses pequeninos. Não satisfeitos com isso, colocaram ainda toques, digamos, fantasiosos, nos quais uma formiga faz quase tudo aquilo que o mago Gandalf da trilogia "O Senhor dos Anéis". Alguns podem achar legal, e até interessante, mas, para mim, foi um tédio. Além do mais, vide seus curtos 88 minutos, não se preocuparam a criar um carisma para com essas formiguinhas e tudo acontece muito rápido, o que não deixa de ser bom para quem quer sair logo da sala, mas para a criançada seria mais interessante que um elo com os insetos fosse traçado.

O que salva o filme são algumas particularidades. A principal é a perfeição da sua parte técnica. As formigas são bem mais detalhadas do que as de outros filmes que as utilizam e os humanos estão a nível daqueles de "A Casa Monstro", proporcionando momentos de impecável beleza. Outro fator é que, por ser uma fábula, o meu parágrafo anterior fica fácil de ser aceito, além de mostrar um componente essencial dessa fábula: uma lição de moral. Para os já grandinhos, tudo parece muito simples, mas imagine uma criança vendo o Lucas sendo diminuído, sofrendo tal como uma formiga sofria em suas mãos e vendo como elas têm uma organização bem melhor de se viver do que a de uma cidade constituída por humanos.

Além de carregar esses traços de ensinar as criancinhas que é muito feio maltratar formigas indefesas, ele carrega traços do nosso mundo, nosso viver. A parte adulta do filme é justamente isso. A questão do imperialismo, a vinda de um novo messias e até o comunismo são, por mais que quase de forma muito simples, mostradas no filme. Para as formiguinhas, um dia uma deusa virá e recheará seus lares de comida e fartura. Em um dos diálogos, uma formiga, ao conversar com Lucas, pergunta como é a vida na cidade, se as pessoas se ajudam e como elas trabalham. Depois de ter a resposta, o inseto vangloria-se do jeito que sua sociedade vive, onde cada um encontra uma função que goste e que consiga fazer, para que dessa forma a colônia sobreviva e que todos tenham comida igualitária e os gloriosos momentos de diversão. Tudo sempre em conjunto. Tudo sempre visando seu bem-estar, mas o do próximo também. Enfim, uma sociedade bonitinha demais para alguém que está acostumando com o modo capitalista de ser.

Algumas piadas funcionam para todas as idades, mas a maioria só a criançada vai curtir. Outro ponto é que o protagonista Lucas não tem tanto carisma para cativar, o que foi salvo por um simpático vagalume, ajudante do mago Zoc. Nem mesmo a tutora de Lucas no mundo das formigas, Hova, tem traços que conquistam o público infantil. Alguns outros personagens criam um carisma legal, como o grupo que Lucas encontrou na "barriga" de um sapo, mas não são bem explorados na trama. Ah, por falar em personagens, a dublagem para o português está boa, nada de extraordinário, mas eu gostaria realmente de ver o filme com a dublagem para o inglês, na qual a voz de Zoc é feita por Nicolas Cage ("O Senhor das Armas"), Hova por Julia Roberts ("Um Lugar Chamado Nothing Hill"), além de ter ainda vozes de Meryl Streep ("As Horas"), Paul Giamatti ("A Dama na Água"), Allison Mack (a Chloe do seriado "Smallville") e Alan Cumming (o Noturno de "X-Men 2").

Com a boa direção do competente John Davis – que já foi indicado ao Oscar por "Jimmy Neutron – O Menino Gênio" – o filme merece, sim, ser visto, mas pelos baixinhos. Visto que ele é realmente destinado a esse público, consegue alcançar seus devidos objetivos, mas, como hoje em dia para se ter uma boa animação seria interessante criar elos com vários tipos de públicos, "Lucas, um Intruso no Formigueiro" acaba se perdendo. Leve seu filho, mas saiba que você corre alguns riscos de se entediar. Agora, se você entrar no clima de fábula, talvez os 88 minutos não sejam todos somente de morgação.

Raphael PH Santos
@phsantos

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