Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 03 de setembro de 2006

Dama na Água, A

Extremamente superficial e cheio de rodeios, "A Dama na Água" não consegue transportar o espectador a um mundo de fantasia que o roteiro até conseguiria levar, mas falha, tornando-se desagradável, assim como a direção do tão respeitado Shyamalan.

A trama nos apresenta a Cleveland Heep (Paul Giamatti), o zelador de um condomínio que desconfia que alguém está fazendo uso da piscina em horário inapropriado, até que, em uma bela noite, descobre que está certo, mas que a pessoa que movimentava sua noite com mergulhos e agitação não é uma qualquer. É aí que Story (Bryce Dallas Howard) entra, apresentando-se como uma narf, criatura aquática que vive no Mundo Azul que veio para o mundo humano para servir de inspiração a um escritor, mas que passa a ser perseguida por criaturas malignas que não a deixam voltar ao seu mundo. A partir daí, Cleveland e os moradores do prédio têm que ser espertos para driblar os maléficos e fazer com que a moça esteja segura em terras desconhecidas e uma aventura dita mitológica agita a vida de todos os personagens.

Pois é. Tanto se esperou por "A Dama na Água" que, particularmente, revelou-se uma decepção. Vocês podem muito bem chegar e usar aquela desculpa que "quando vamos esperando muito de um filme as chances de nos decepcionar são grandes", o que não deixa de ser uma verdade, mas independente de qualquer expectativa, a produção é decepcionante em diversos aspectos, o que se torna infeliz ao diretor e roteirista Shyamalan e ao público que acreditava em uma história no mínimo interessante, mas não é isso que presenciamos. É fato que trabalhar com mitologia não é uma novidade. Do mesmo jeito que inventar histórias mágicas, mexer com a imaginação e usar a fantasia também não são. Então o que se deve fazer? Ser no mínimo competente para que agrade a quem assiste, coisa que a trama não consegue ser. Sem se preocupar em ao menos construir uma história sólida e convincente, Shyamalan desenvolve uma história de ninar que certamente não passa de puro blá blá blá. Não que não tenhamos sensibilidade para assistir à produção com um ar mais inocente, mas o problema está no enfoque que o indiano deu ao filme. Nota-se uma total falta de entrega em construir um roteiro que, obviamente, poderia vir a ser interessante, e que não faz muito esforço para envolver o espectador. O esforço que faz não passa de meras tentativas de elevar o nível da trama e impressionar com suas muitas reviravoltas, que resultam em nada, a não ser em momentos repetitivos e cansativos.

Shyamalan pareceu pouco preocupado em fazer com que o público conheça o mundo mágico que o filme apresenta, mas erra. Primeiramente, ao não conseguir fazer com que imaginemos que o mundo dos homens e o das criaturas aquáticas realmente sejam paralelos. O desenvolvimento da trama não nos dá bagagem o suficiente para que nossa imaginação comece a trabalhar e, conseqüentemente, fazer com que ganhe nossa simpatia. A relação entre homens e criaturas é tão imposta que nada flui naturalmente, assim como histórias de ninar que, determinam exatamente bruscas alterações roteirísticas que no cinema não entraram em harmonia. A superficialidade tanto da trama quanto de seus personagens é tanta que acabamos por nos questionar coisas bobas em relação ao que estamos vendo e deixar o público sem explicações é assinar seu tratado de morte. Principalmente visto que é baseado em um mito e mitos precisam ser, acima de tudo, concisos e coerentes. Não tendo isso, o roteiro acaba apelando para um exagero em personagens e em tentativas de fazer o enredo sair do canto. Abusando de reviravoltas desnecessárias, Shyamalan tenta fundamentá-las, mas não consegue, sendo muito ilógico.

O indiano também deixa a desejar quanto à sua direção, principalmente nos momentos iniciais, nos quais temos um prólogo em animação que, convenhamos, adianta praticamente tudo que acontece em todo o filme, até quando os personagens começam a contar suas histórias. Decaindo ao utilizar técnicas de angulação e foco totalmente estranhas, Shyamalan desgasta ainda mais o seu roteiro, optando por planos dispensáveis que até vão se corrigindo do meio para o final da produção, mas que deixa um gosto ruim na boca. Sem falar nos momentos em que faz planos fechados que desvalorizam as emoções dos outros personagens em cena, inclusive ao apelar para o suspense. Claro, com sua experiência no gênero, acaba nos dando até momentos interessantes de suspense, mas cai no desgosto geral ao fazer com que tudo seja tão artificial que acaba não sendo tão efetivo quanto poderia ser. Nem a direção de arte ou de fotografia souberam trabalhar com os fracos efeitos visuais, puxando ainda mais para baixo a qualidade da projeção.

Tendo em mãos muita gente no elenco, nem os principais tiveram a atenção que mereciam. Certamente se Shyamalan tivesse criado uma intimidade maior entre os protagonistas e o público, não teria ficado tão escrachado que os atores tentam salvar o longa do fracasso geral. Paul Giamatti acaba sendo até carismático na pele de Cleveland, talvez por ter sua história de vida revelada e usada com uma grande carga dramática, mas mostra-se irritante ao fingir sua gagueira. Alguns momentos seu distúrbio irritava e não ficava nem um pouco engraçado. Bryce Dallas Howard mostra cada vez mais o que veio fazer na indústria cinematográfica hollywoodiana. De notável talento, a moça usa muita sensibilidade ao compor Story e, ajudada pela maquiagem, passa realidade sobre a sua origem, o que é justificado pela sua versatilidade em cena. Shyamalan se saiu melhor atuando na produção do que dirigindo ou escrevendo, e olhe que é claro seu robotismo em cena e a sua falta de talento como ator.

Sem dinamismo, "A Dama na Água" poderia ter dado certo se tivesse recebido outro tratamento. Nem uma trilha sonora interessante foi desenvolvida, visto que enredos como o que apresenta dá margem para uma belíssima trilha, salvando-se raros momentos de tensão, apresentando-se adequadas. Sendo mais um deslize (e dos maiores) de Shyamalan, o longa irrita pelas repetições, e empobrece pela falta de criatividade e poder de síntese ao explicar os fatos. Aparentando ser muita coisa, mas no fundo sendo quase nada, acaba sendo decepcionante para muitos, apesar de que, os menos exigentes, poderão até aceitar de cabeça aberta a superficialidade do roteiro, mas para os mais exigente, não passará de mais um objeto descartável no cinema.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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