Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 01 de setembro de 2006

Vôo United 93

Esqueçam os mocinhos que sozinhos derrubam todos os inimigos, assumem o controle de aviões ou ônibus seqüestrados e devolvem todas as pessoas às suas famílias sãs e salvas. Isso aqui é a realidade. Isso aqui é o "Vôo United 93". Esse aqui é o melhor filme ficção-documental de um dos piores atentados em solo americano.

Aparentava ser mais um dia comum. A manhã de 11 de setembro parecia um pouco mais sobrecarregada no tráfego aéreo. 37 passageiros mais 7 pessoas da tripulação aguardavam a liberação da torre de controle do aeroporto de Newark (em Nova Jersey) para decolarem. Com 42 minutos de atraso, o Boing 747 da United Airlines, número de vôo 93, saiu com destino a São Francisco, mas o avião nunca chegaria a seu destino.

"Vôo United 93" é a visão aguçada e quase documental do excelente diretor Paul Greengrass, responsável por filmes como "A Supremacia Bourne". O filme é o primeiro produzido por Hollywood para os cinemas (o canal por assinatura A&E produziu este ano também outro filme sobre o mesmo vôo, com o nome de "Flight 93") a retratar os fatos do ataque terrorista de 2001 em solo americano. Para quem não lembra, na época, o mundo acordou surpreso com as imagens da fumaça que saia das torres gêmeas (World Trade Center). O ataque foi composto por quatro aviões seqüestrados: vôo 11 (que atingiu a torre norte do World Trade Center às 08h46) e vôo 77 (que atingiu o Pentágono às 09h37) da American Airlines, vôos 175 (que atingiu a torre sul do World Trade Center às 09h03) e 93 da United Airlines, este não atingindo o seu alvo e caindo em Shanksville, no estado da Pensilvânia, às 10h06.

Preconceitos à parte, sabe-se que os Estados Unidos não são a potência que são hoje, fazendo caridades para o mundo. Mas estamos falando aqui de pessoas que morreram, e que, claro, a comissão do 11 de setembro deu como bravos americanos que lutaram contra os terroristas para salvar seu país. Uma imagem ufanista que ficou exagerada no trabalho televisivo, mas que aqui, Greengrass consegue passar por cima e mostrar que não é uma luta pelo país, mas sim por suas vidas, minimizando assim às possíveis críticas daqueles contra ao ufanismo norte-americano.

O trabalho ficcional, escrito e dirigido pelo diretor, foi embasado em estudos dos eventos daquele dia. O único vôo a ter diversas ligações feitas por partes dos passageiros. O trabalho de juntar as informações da transcrição da Caixa Preta do avião e as ligações feitas pelos passageiros Tom Burnett, Mark Bingham, Edward Felt, Jeremy Glick, Todd Beamer, Honor Elizabeth e pelas aeromoças CeeCee Lyles, Sandra Bradshaw são o que faz com que o filme se torne uma peça documental que, com certeza, poderá mexer com as emoções de muitos brasileiros (imagine as dos familiares dessas pessoas).

Mesmo tendo noção da tragédia final do filme, Greengrass consegue fazer com que o espectador se incomode, e até mesmo fique nervoso com a realidade. As pessoas em terra, nas torres de comando, o exército, todos atordoados com a ficção cinematográfica se confundindo com a realidade, puxando completamente o tapete de todos. E o melhor do trabalho deste filme é podermos, não só vermos, mas lermos nas expressões e olhares, através de algumas tomadas de câmeras escondidas (efeito muito bem trabalhado na série "24 Horas"). Da mesma forma a tranqüilidade dos passageiros, que menos de uma hora depois de decolarem, se tornam vítimas dos quatros seqüestradores (o que também difere dos outros vôos seqüestrados, que foram dados como 5 seqüestradores).

A trilha sonora quase não existente no filme, se faz presentes em momentos chaves para denotar os fatídicos "pontos sem retorno" que a história apresenta, mostrando que, a partir daquele momento, o personagem "ficcional" não terá mais retorno, e que o seu destino já está traçado desde o início desta película.

O roteiro do filme foi traçado em um esqueleto básico do longa, sabendo dos pontos que deveriam ser abordados, mas maior parte dos diálogos foi improvisada, criada durante os ensaios das cenas junto com o diretor, baseada em entrevistas com os familiares das vítimas do vôo.

Greengrass consegue também acertar quando transforma os 25 minutos finais nos mais cruciantes e desesperadores do filme, para não dizer chocantes. Não estranhe se mesmo sabendo o final, você perceba estar torcendo para que a tripulação consiga levar o avião de volta ao aeroporto.

Leonardo Heffer
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