Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 03 de setembro de 2006

Transamérica

"Transamérica" é um filme sensível e bem realizado, que acima de tudo conta a história de uma superação pessoal, tendo como pano de fundo o desconhecido tema do transexualismo.

Ao assistir à cena inicial de "Trasamérica", na qual um transexual faz um exercício vocal mostrando sua capacidade de elevar seu tom do grave ao agudo de forma bastante interessante, somos levados a pensar que o filme vai se aprofundar no tema dessas pessoas, que são obrigadas a viver à margem da sociedade devido ao preconceito. No entanto, o enredo do filme vai sendo conduzido por uma temática diferente, e se torna um interessante Road Movie, dirigido e escrito de forma bastante sensível pelo estreante Duncan Tucker.

Além das qualidades já comentadas anteriormente, o grande destaque do filme é mesmo o elenco, que traz atuações memoráveis e dignas de aplausos. A atriz Felicity Huffman (mais conhecida pelo seu trabalho na série Desperate Housewives) encarna com vivacidade o(a) personagem do(a) transexual Sabrina 'Bree' Osbourne, ajudada pelo excelente trabalho de maquiagem, que nos convence todo o tempo de que estamos diante de um homem. Ao invés de cair facilmente na caricatura, a atriz empresta à personagem Bree um singelo toque feminino e um jeito desengonçado, que reflete o incômodo desta ao não conseguir se encaixar bem em um gênero sexual.

No filme, Bree está prestes a realizar a cirurgia que a transformará finalmente em mulher quando recebe uma ligação de um presídio no qual seu até então desconhecido filho está preso. A personagem revela-se surpresa ao descobrir que possui um rebento, fruto de uma aventura juvenil que ela considerava divertidamente como uma "experiência lésbica". Para realizar a cirurgia, Bree precisa da autorização de sua terapeuta, que, ao perceber o desequilíbrio desta, exige que a protagonista resolva seu conflito paternal. Bree é obrigada, então, a ir em busca de seu filho Toby (interpretado com maestria pelo jovem Kevin Zegers), que mostra-se uma pessoa problemática, estando envolvido com drogas e prostituição. Procurando dar um bom destino ao filho, Bree tem que cruzar o país por terra (daí o trocadilho do nome do filme), e ajudá-lo antes da data de sua cirurgia e, para isso, enfrentar os conflitos causados por sua condição sexual.

A história aborda de forma interessante os preconceitos da protagonista consigo mesma através da não-aceitação de sua condição masculina, bem como de sua condição transexual, como pode ser observado em um dos poucos momentos em que o roteiro ousa se aventurar pelo mundo dos transex, quando Bree e seu filho param em uma casa onde estava havendo uma reunião dessas pessoas. "Nós estamos entre vocês", diz ironicamente um deles, como se fossem alienígenas e não seres humanos. Outro ponto importante abordado pelo roteiro é quando o transexual vê-se obrigado a enfrentar sua família, cujos pai e mãe foram interpretados pelos grandes atores Burt Young ("Rocky") e Fionnula Flanagan ("Os Outros"). Em uma das cenas com a família de Bree, podemos notar o interessante contraste de como o "pai" de Toby respeita as opções do filho (como no caso da prostituição), mostrando que este não quer para si o tratamento que sua mãe não lhe dispensou, já que ela nunca lhe respeitou e lhe tratou como fosse portador de uma doença.

Duncan Tucker foi feliz na direção de seu filme, porém peca unicamente por explorar demais (por incrível que pareça) a história, que, em determinado momento, parece tornar-se um dramalhão mexicano em que tudo pode acontecer. Esses deslizes do roteiro, no entanto, são corrigidos pela boa condução de Tucker e pela grande atuação do elenco.

Ao final da projeção, temos a certeza de que "Transamérica" é um filme comovente e emocionante e que certamente pode ser considerado como uma das melhores obras do ano. O grande mérito do longa é, sem dúvida, mostrar o lado humano dessas pessoas, que sentem a necessidade de mudar de sexo para serem felizes. Filmes como este podem ser o primeiro passo para que grupos discriminados, como os dos transexuais, possam um dia sair de seus refúgios e serem aceitos pela sociedade e por eles mesmos como realmente são.

Diego Coelho
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