Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 21 de agosto de 2006

Almas Reencarnadas

Mais um filme oriental de terror chega às telonas e não inova praticamente em nada, apresentando uma história pouco convincente que vai tentando melhorar e envolver do meio para o final da trama, mas que comete erros de roteiro imperdoáveis, classificando-o como totalmente descartável e, talvez, apenas um péssimo entretenimento.

Almas Reencarnadas conta a história de um terrível massacre praticado em um hotel turístico, onde um professor universitário possuído pela loucura mata 11 pessoas, dentre hóspedes e funcionários. Enquanto filma seus atos com uma câmera 8mm, ele esfaqueia uma vítima após a outra, enquanto elas tentam fugir, atormentadas pelo pânico. Trinta e cinco anos depois, Matsumura (Kippei Shiina) é um diretor que quer transformar esse crime em um filme intitulado “Memory”. Ele convida a atriz Nagisa Sugiura (Yuuka) para interpretar a heroína de seu projeto. O que não esperavam é que, quando o início das filmagens se aproximasse, Nagisa começaria a ver pessoas e ter sonhos assustadores. No hotel abandonado, onde aconteceria uma breve visita laboratorial para os atores, é possível sentir claramente uma estranha presença. A partir daí, um jogo de vivos e mortos começa, insinuando que almas reencarnadas estariam de volta em novos corpos para cumprir seu destino já terminado em outras vidas.

O longa é a segunda parte das seis histórias de terror que compõe o chamado J-Horror Theater, produzido pelo badalado Takashige Ichise, responsável por trazer à tona boas histórias de terror. A primeira parte foi lançada em 2004 e inclui Infecção (Kansey / Infection), dirigido por Masayuki Ochiai, e O Terror da Premonição (Yogen / Premonition) de Norio Tsuruta. Agora, Almas Reencarnadas (Rinne / Reincarnation) chega nas mãos do diretor Takashi Shimizu, responsável pelo roteiro e também direção do aterrorizante (na visão de alguns, claro) O Grito e de sua seqüência, que gerou tanta repercussão oriental, fazendo com que a indústria cinematográfica hollywoodiana resolvesse investir nestes projetos, transportando Shimizu para assumir o controle também da versão americana. Antes que finalizasse O Grito 2, o cineasta decidiu se entregar ao projeto do J-Horror Theater e assinar mais uma boa produção no seu currículo, mas parece que não foi tão efetivo assim.

O roteiro deixa claro desde o começo que o filme todo será óbvio. Primeiro porque temas de reencarnação só podem pender para um lado, e somos, na maioria, creio eu, inteligentes para ao menos supormos certos desfechos para a trama. E é o que vai acontecendo. Sem proporcionar sustos, o que é extremamente decepcionante, pois pelo menos em O Grito, que não é um filme bom, há muitos sustos, Almas Reencarnadas deixa a desejar. Seguindo uma linha mediana do gênero de terror e apelando mais para o suspense, as poucas tentativas de assustar ou causar pânico na platéia são totalmente frustradas, caindo na maioria das vezes no ridículo. De qualquer forma, os clichês que aparentemente o filme estava seguindo acabam por mudar um pouco de rumo na parte final da trama, o que acontece geralmente em filmes orientais, e até teria tudo para agradar e recuperar a decepção que estava causando desde o início, mas quando você pensa que a história finalmente vai engatar, lá vem o nosso inimigo 'ridículo' para estragar tudo. E estraga não só no desfecho, mas acaba permitindo uma visão global muito confusa, não sabendo muito bem como associar determinadas ações dos personagens, algumas até saindo de contexto e sendo artificiais demais, assim como a trama paralela que é desenvolvida junto ao objeto principal, que é a filmagem do filme de terror baseado no massacre acontecido no hotel há 35 anos. Esta trama paralela no começo fica tão confusa, mas vai se esclarecendo com o tempo, o que não quer dizer que ficou bem encaixada na história. Muito pelo contrário, acabou sendo pouco explicada e gerando alguns questionamentos acerca do enredo, revelando-se um pouco imaturo.

A direção de Takashi Shimizu também praticamente não inova, mostrando-se até bastante inferior do que fez em O Grito, onde investiu em ângulos extremamente notáveis e em sustos mais profundos, o que não acontece neste projeto. Sempre muito fraquinho na escolha de seus planos, Shimizu assume um caráter linear fraquíssimo que até prejudica no desenvolvimento da trama e não investe em novas formas de abordagem das imagens, principalmente quando trabalha com os espíritos e a menina (pouco) assustadora que atormenta a protagonista. Até aí ele peca, mas uma abordagem interessante que deve ter passado na cabeça dele foi o fato de não apelar para um áudio exagerado que conseqüentemente ia deixar alguns da platéia se tremendo de susto; mais pelo áudio e não pela imagem. Acho que isso é perfeitamente positivo, apesar de perder boas chances de causar impacto na platéia, podendo ter trabalhado o terror com mais refino e inteligência, aproveitando muito mais o uso dos personagens, que parecem meras peças que se mexem quando bem entenderem, sem muito explicar suas origens e anseios. A atriz Yuuka, bastante conhecida do público japonês, acaba impressionando por mostrar-se bem eclética ao separar alguns momentos da cena, como suas perturbações, visões e anseios, mas é atrapalhada pela montagem da trama, que começa bem, misturando cenários atuais e antigos, juntamente com personagens vivos ou não, e que tenta se solidificar nos seus momentos finais, onde um dos personagens descobre a verdade e uma nova montagem vai se sobrepondo na trama, mas que dá um desgosto por ficar tão confusa e pouco eclética, deixando o espectador tonto para revelar um desfecho que funcionaria se tivesse sido abordado de outra forma, mas que deixou a desejar pela ridicularização dos seus objetos em cena, principalmente daquela bonequinha que de assustadora não tem nada.

Apelando para uma trilha sonora não tão complexa, mas que encaminha o filme sem deixar margem para críticas ruins, Almas Reencarnadas não passa de mero entretenimento descompromissado que pode desapontar aos muitos fãs de filmes de terror orientais, que buscam principalmente o susto e uma história interessante, mas que acabam encontrando uma produção para menos de mediana, cheia de falhas e desgostosa de uma forma em geral. E não se impressionem se em uma cena ou outra o riso for despertado em você! Alguns fatos são tão grotescos que o melhor que se faz é rir do que se assustar com os clichês já vistos antes ou gritos histéricos nada convincentes que prejudicam o timing da cena. Quer ver terror? Gaste bem menos alugando um filme do que conferindo Almas Reencarnadas. Mas, se mesmo assim preferir assisti-lo, vá certo de que você conseguirá, sim, dormir de madrugada, e ainda dará boas risadas!

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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