Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 12 de setembro de 2006

Camisa de Força

Mais do que um thriller psicológico instigante e que funciona, "Camisa de Força" consegue prender o espectador até o final, levando-o a uma viagem impressionante dentro do inimaginável, apresentando-se como um bom exercício psicológico e filosófico.

"Camisa de Força" conta a história de Jack Starks (interpretado pelo vencedor do Oscar de Melhor Ator por "O Pianista", Adrien Brody), um soldado que havia sido afastado de suas obrigações depois de ter se ferido gravemente na guerra da qual estava participando. De volta para sua vida normal, Jack é acusado pelo assassinato de um policial e é submetido a um tratamento psiquiátrico como pena decidida em julgamento. Internado em um manicômio, Jack serve de cobaia para tratamentos secretos do Dr. Becker (dos filmes de "Blade", Kris Kristofferson) e passa a viver as incertezas entre fantasia e realidade, entrando em um jogo psicológico envolvendo passado, presente e futuro, onde personagens se confundem e se distanciam de acordo com o desenrolar da história.

A temática de thrillers psicológicos costuma rodar sempre de uma mesma forma. Indo na linha de "Efeito Borboleta", "Camisa de Força" consegue um destaque maior por ter um roteiro denso e competente que consegue despertar no espectador que se entrega à produção muitas sensações, levando-o a viver ao lado do personagem, aproximando-se dele. A partir do momento em que um filme consegue envolver o público, mesmo usando do surrealismo e de impossibilidades que não são comprovadas e que poucos acreditariam, já ganha um caráter mais maduro, o que nem sempre se pode ver em outras produções semelhantes. Por mais que nos cento e dois minutos de projeção haja uma certa lentidão para revelar os fatos, não atrapalha o andamento da história, deixando os mais curiosos vidrados para saber o que virá a seguir. Isso porque "Camisa de Força" consegue se distanciar de todos os clichês possíveis que poderia ter cometido, e, felizmente, não cometeu, impressionando quando os minutos finais vão se aproximando, apesar de despertar em alguns a sensação de decepção por ter tido um final vago e imposto para ser aceito. De qualquer forma, o roteiro não apela para soluções rápidas e que de algum jeito convença quem assiste. Uma das principais vitórias nessa produção é exatamente por não exigir das pessoas que acreditem no que estão vendo na tela, e, sim, dá margem para que possibilidades sejam discutidas.

Além disso, o enredo abre a roda de discussão para vários assuntos como o treinamento que os soldados de guerra recebem, passando ao nível de máquinas mortíferas sem sentimentos; como o tratamento que os considerados loucos recebem nos hospícios, sendo inclusive cobaias para experimentos médicos não autorizados, desumanizando-os; o fato de analisarmos o que estamos fazendo com nossa vida no presente, podendo refletir no destino, alterando nosso futuro; enfim, outras tantas coisas que o filme aborda com classe e é digno de aplausos. E o melhor detalhe é que todos esses assuntos são jogados sutilmente, mas surtem um efeito espetacular nos espectadores. O roteiro adaptado de Massy Tadjedin é seguro e, ajudado com a montagem dos fatos, é memorável. Psicologicamente e filosoficamente bem construído, é interessante perceber a alteração comportamental de cada personagem, seja do mais importante ao figurante. Podemos perceber que a escolha do elenco foi bastante peculiar para transmitir exatamente as sensações que são importantes em cada cena.

É indiscutível que Adrien Brody está impecável. O ator, que já havia provado seu talento em "O Pianista", mostra que consegue se adequar a qualquer situação que o roteiro imponha ao seu personagem. Sua vulnerabilidade transmite segurança e o homem torna-se íntimo ao espectador, que passa a compartilhar suas angústias, anseios e torcer à favor dele. Desinibido e confiante, Brody faz de Jack a arma melhor empregada em toda a película. Nenhum dos outros atores que tinham sido cotado para o personagem teriam o mesmo punho que Brody teve para construir mais um personagem marcante na sua carreira. A jovem Keira Knightley me surpreendeu e mostrou que é mais do que uma carinha bonita em Hollywood. Destaque de "Piratas do Caribe", a moça também mostrou sua versatilidade e parecia mais à vontade ainda em seu personagem. Dando a Jackie um sotaque americano e compreendendo toda sua história de vida, Knightley conseguiu até ganhar minha simpatia. O mesmo aconteceu com Jennifer Jason Leigh, que interpreta a Dra. Lorenson, um personagem de fundamental importância do meio para o fim da história, revelando-se uma médica preocupada com o estado do protagonista, mas que ao mesmo tempo sentia-se insegura com o que ela poderia alterar na vida dele. Ainda podemos ver em poucos momentos Daniel Craig, que interpreta o louco Mackenzie, que se torna colega de Jack no manicômio. Felizmente, Craig e sua responsabilidade permitiram que não estereotipasse as pessoas que vivem em lugares assim, não exagerando na loucura e instigando o público a pensar se ele realmente era insano ou se seria uma pessoa normal mal-entendida pelos médicos e especialistas.

Ponto positivo também para o diretor John Maybury, que conseguiu dar uma estabilidade emocional e psicológica na trama para que não parecesse forçada ou artificial, preocupando-se com os mínimos detalhes e com os objetos que seriam trabalhados em cada cena. Disposto a trabalhar bem com as cores dos lugares que estariam em harmonia com a complexidade de cada cena, Maybury conseguiu usar do orçamento dado ao projeto para mostrar sua competência e entrar para o mercado cinematográfico hollywoodiano. Ele conseguiu tomadas ímpares, explorando os cenários ao máximo, dispondo de uma trilha sonora simples, porém ativa, e fazendo dos seus personagens o que ele tinha em mente. Vale mencionar também que quem assinou a produção do longa foram nada mais nada menos que George Clooney, Steven Soderbergh e Peter Guber, ou seja, dignos de congratulações.

Enfim, "Camisa de Força" prova que é mais do que uma forma de thrillers psicológicos e envolve densamente o público na complexidade do seu roteiro. Quem está pouco disposto a pensar ou que não tem estômago para ser bombardeado de informações e coisas inimagináveis, surreais e instigantes, certamente se decepcionará com o filme, mas os que procuram mais do que um bom entretenimento, conseguem achar. Sem falar da digestão que você faz depois que o filme acaba. Daí só resta a você tirar conclusões e se livrar da angústia que fica após o "the end".

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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