Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 18 de julho de 2006

Superman – O Retorno

O Homem de Aço retorna aos cinemas em um filme que possui todos os ingredientes para deixar os fãs do personagem contentes, ainda que a história não traga nada de original e que não já tenha sido visto nos filmes anteriores. Mas um show de efeitos especiais, cenas de ação espetaculares e um protagonista convincente garantem de "Superman – O Retorno" uma ótima diversão.

"Superman – O Filme", dirigido por Richard Donner em 1978, é considerado por muitos a melhor adaptação dos quadrinhos de um herói para a tela, e ainda revelou ao mundo Christopher Reeve, astro que saiu do anonimato para ser a lembrança viva que temos até hoje de Superman. Após três continuações (cujas duas últimas foram verdadeiras piadas), passaram-se anos e anos projetando um novo filme do herói, com a idéia de mostrar sua origem do zero. O projeto passou por diversos diretores, como Tim Burton, Brett Ratner, McG, e apenas quando Bryan Singer, em alta após seu sucesso com os dois primeiros filmes dos mutantes da Marvel "X-Men", assumiu o projeto as coisas começaram a se encaminhar, e muito bem por sinal. Para começo de história, se o filme de 1978 é considerado um excelente filme, qual o sentido em ignorá-lo contando toda a origem do herói novamente? Singer, felizmente, tinha essa consciência e tornou de sua produção uma continuação da antiga franquia (ignorando os eventos dos dois últimos filmes), mantendo a fidelidade ao máximo possível e tornando a nova aventura não apenas uma simples continuação, mas uma verdadeira homenagem aos fãs dos antigos filmes de Superman. O resultado pode não ter sido tudo o que os ávidos fãs do herói esperavam, mas, com certeza, foi o suficiente para garantir que delirassem por boa parte das longas 2 horas e meia de projeção.

Após alguns anos de um misterioso desaparecimento, Superman (Brandon Routh) retorna ao planeta Terra. Porém a situação em Metrópolis está bastante mudada desde que o Homem de Aço deixou o planeta, pois a cidade se acostumou a viver sem ele. Além disto, Lois Lane (Kate Bosworth), sua grande paixão, seguiu sua vida após o sumiço do herói. Ao mesmo tempo em que precisa se adaptar à nova realidade, Superman precisa enfrentar Lex Luthor (Kevin Spacey), um antigo inimigo que planeja um meio de acabar com ele de uma vez por todas.

Se, por um lado, a fidelidade à franquia original é um ponto positivo, ela também tem seus lados negativos, sendo esses aplicados principalmente ao roteiro. O roteiro escrito por Michael Dougherty e Dan Harris se apresenta demasiadamente cauteloso, e no temor de ousar, inovar, acaba caindo no lugar comum, apresentando uma trama repetitiva e que não procura focar temas interessantes que aprofundassem as personalidades dos personagens, tornando-os meros estereótipos. Além do herói, Lois Lane está lá representando o papel da mocinha por quem o herói é apaixonado, Lex Luthor o vilão com planos destrutivos, os demais personagens não passam de figurantes de luxo, e só! Não há uma melhor construção nas personalidades de cada um, restringindo até mesmo o desempenho dos atores. O único que se diferencia é o personagem de James Marsden (o Ciclope da trilogia "X-Men"), como Richard White, o atual marido de Louis Lane, que, por teoricamente ser um rival direto de Clark Kent/Superman na disputa pelo coração de Lois, seria clichê demais retratá-lo como um sujeito mau caráter. Muito pelo contrário, o personagem é mostrado como um homem de boa índole e até mesmo compreensivo quanto o possível sentimento de Lois pelo herói, de modo que o espectador não sente nem um pouco de raiva dele e até se põe no drama de Lois, pois, afinal, valeria a pena trocar um homem bom e dedicado por uma paixão platônica?

Na trama, mais uma vez Lex Luthor arquiteta planos imobiliários de acabar com o mundo e de algum modo lucrar com isso; exatamente a mesma coisa que já fora mostrado nos filmes anteriores, quando o vilão era interpretado por Gene Hackman. Além dessa falta de inovação, a superficialidade é vista em muitos outros pontos, como o dualismo entre as personalidades de Clark Kent, um homem tímido e desajeitado, e Superman, uma personificação de poder. O jovem Brandon Routh até que dá o melhor de si, mas a construção dos personagens em si pelo roteiro é que não o ajudam. Ah, me esqueci de avisar que até nas possíveis surpresas e reviravoltas na trama o roteiro é infeliz, pois o que acontece parece já estar claro desde o primeiro momento para o espectador. Em compensação, a relação entre Clark/Superman e Lois está muito bem trabalhada, e o diretor foi feliz em muitas colocações para mostrar como muitas coisas, por mais que se mudem com o passar do tempo, vestígios do passado sempre terão influência no presente. Tais colocações são muito bem representadas pelo momento em que se pode ver uma lágrima caindo do olho de Superman enquanto ele voa; e até mesmo as escolhas das matérias que Lois escreve, que sempre tinham ligações com o seu amado herói.

Mas fãs, não se desanimem pois essa cautela do diretor tem seu lado bom e podem ter certeza que homenagens é o que não faltam às verdadeiras origens do herói, e o novo filme de fato não se mostra com o intuito de criar novas identidades à franquia, e, convenhamos, disso ela sempre foi muito bem servida. Logo nos segundos iniciais, os admiradores sentirão aquele arrepio na espinha ao conferir a sensacional abertura, mostrando a explosão do planeta Krypton, seguido dos já marcantes créditos iniciais, do mesmo estilo do filme de 1978, ao som da clássica trilha sonora. Por sinal, a trilha sonora merece um destaque especial em meus comentários, pois esta se mostra simplesmente espetacular. Nada menos é do que o espírito mantido da trilha da franquia antiga – incluindo a clássica canção tema do herói – assinada pelo mestre John Williams (autor de trilhas nada conhecidas como "E.T.", "Indiana Jones", "Star Wars", dentre muitas outras), mas em uma versão remasterizada por John Ottman (fiel parceiro colaborador de Singer, tendo feito a trilha de três de seus quatro filmes), tornando-a bem mais impactante e contagiante.

Continuando com as homenagens, tudo fora cuidado com o máximo de respeito e dedicação, e detalhes como a reconstrução da Fortaleza da Solidão (que na franquia original claramente se percebia ser rodada num estúdio) ficaram realmente impressionantes, com direito até a "ressurreição" de Marlon Brando como Jor-El, o pai do Superman, recitando com sua pomposa voz a mensagem deixada por ele no filme de 1978, momentos antes de Krypton ser destruído e ele enviar seu filho para a Terra. Fora isso, muitas frases clássicas são novamente recitadas, como no momento em que nosso herói, depois de salvar muitas pessoas em um desastre aéreo, afirma que aquele ainda é o jeito mais seguro de viajar. Nem mesmo os fãs do seriado "Smallvile" irão se decepcionar, pois referências ao seriado também são feitas, como o momento em que Lex Luthor cita uma frase de seu pai durante sua juventude, e a belíssima cena em flashback em que Clark Kent, ainda jovem, corre e treina seu vôo em um enorme canavial.

Finalmente, as cenas de ação, que é o ingrediente que sustenta toda a diversão da película, estão simplesmente fenomenais, com efeitos especiais surpreendentes, justificando o enorme orçamento de 260 milhões de dólares. Tudo bem que muitas vezes a sensação de artificialidade prevalece e facilmente identificamos que o que está em cena não é um ator, e sim, computação gráfica, mas isso infelizmente nem todos esses milhões foram capazes de evitar. Mas, para quem se acostumou a ver Christopher Reeve voando de um jeito que só faltava dá para ver o cabo que o segurava e o tradicional fundo verde, finalmente terá o prazer de desfrutar o Superman voando como um verdadeiro salvador (o Neo de "Matrix" que me perdoe). Tudo isso, sem falar que a condução de Singer nas cenas de ação é de tirar o chapéu, e em particular, destaco o momento em que Superman salva o avião em que Lois Lane se encontrava de um desastre. Um verdadeiro espetáculo diante de nossos olhos!

Quanto o elenco, o estreante Brandon Routh prova que a decisão do diretor em não utilizar um ator famoso para o papel fora mais do que acertada. O jovem não apenas possui uma certa semelhança física com Christopher Reeve, como também pareceu ter estudado todas as expressões faciais e corporais do mais famoso intérprete do Superman, mantendo acertadamente o mesmo estilo do personagem. Desde o sorriso no canto do rosto, a cara de bobão de Clark Kent, tudo fora captado com o máximo de fidelidade por Routh (apesar de claramente se perceber o excesso do uso de computação gráfica e uma violenta maquiagem em seu rosto quando este está caracterizado como Superman, a fim de diferenciá-lo de Clark Kent). Tudo bem que nesse novo filme as diferenças entre o fraco Clark Kent e o poderoso Superman ficaram um tanto superficiais, mas, no caso, não é culpa do ator, e sim, do roteiro. Kate Bosworth como Lois Lane, por sua vez, até que se esforça, mas sua jovialidade chega atrapalhar a construção de sua personagem, de forma que fica duro engolir o fato de uma atriz de 23 anos ser uma jornalista ganhadora do prêmio Pulitzer, e mãe de um filho de cinco anos. Nesse caso, a pouca experiência chega a ser um contra para a atriz, fato que não ocorreu a Routh.

Kevin Spacey por sua vez, está ótimo como sempre, ainda que, a maneira esquemática com que o personagem fora desenvolvido pelo roteiro o restringisse de expor sua exímia veia dramática e exibisse uma maior complexidade a Lex Luthor (quem assiste a "Smallvile" sabe o quanto isso é possível). Ainda assim, o ator parece estar se divertindo bastante no papel, e captura bem todo aquele humor sarcástico do personagem – marca de Gene Hackman nos filmes anteriores -, e ainda exprime uma maior crueldade para o vilão, tornando-o um tanto mais ameaçador do que antes. Para finalizar, James Marsden, como Richard White, o marido de Lois Lane, está bem, capturando muito bem a essência do personagem. Arrisco até a dizer que em "Superman – O Retorno", ele aparece com mais destaque do que nos três filmes juntos da trilogia "X-Men", em que seu Ciclope fora bastante negligenciado.

Enfim, "Superman – O Retorno" deve agradar em cheio aos fãs do herói, que certamente irão delirar com a série de homenagens à antiga franquia. Mas não esperem inovações e criatividade na trama. Definitivamente não é um filme a ser levado tão a sério, como, por exemplo, foi o espetacular "Batman Begins", mas para quem procura apenas sentar na poltrona e reviver os bons momentos do herói, vibrando ao som da clássica trilha sonora e delirando com o show de cenas de ação e efeitos especiais convincentes, a diversão é mais do que garantida. Christopher Reeve pode descansar sossegado.

Thiago Sampaio
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