Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 08 de julho de 2006

Sem-Floresta, Os

Provando que não precisa ser bobo demais para conseguir agradar o público, Os Sem-Floresta conta com personagens carismáticos, atraentes e engraçados, revelando-se mais do que uma simples animaçãozinha feita para época de férias e causa bons momentos de diversão tanto para a garotada quanto para seus acompanhantes.

Tudo começa com o anti-herói RJ, um guaxinim bem moderno que invade a caverna onde o urso Vincent está hibernando para poder roubar os mantimentos da fera e matar sua fome, mas a operação acaba nem saindo com tanto sucesso quanto foi imaginado pelo pequeno RJ e todos os alimentos são destruídos acidentalmente. Acordando antes do tempo, Vincent dá uma semana para o guaxinim recuperar todos os alimentos que foram perdidos, até ele acordar finalmente da sua hibernação. A partir daí, RJ vê-se encurralado e, vendo-se impossibilitado de conseguir tantos alimentos sozinho, tenta convencer um grupo de animais que vive na floresta a ajudá-lo, mesmo sem revelar seus verdadeiros objetivos, colocando os bichinhos liderados pela tartaruga Verne em vários perigos e aventuras mirabolantes em um ambiente que só RJ conhecia: a cidade.

Filmes infantis que humanizam animais não são mais nenhuma novidade. É tanto que acabamos por fazer uma confusão com tanta animação que segue a mesma linha e nunca sabemos qual é qual, pois poucas têm seus diferenciais. É o caso de Os Sem-Floresta. Nada ali é novo. O enredo parte de uma premissa vazia à primeira vista, mas que vai ganhando uma proporção maior com o decorrer da história. Não que nos surpreendemos com uma animação inteligente, cheia de sacadas sensacionais e fora de clichês… não! Mesmo porque é feito para crianças, então a dosagem tem que ter sido bem feita. E, felizmente, foi. Não só para os pequenos, mas para os adultos que sempre o acompanham principalmente nesse período de férias escolares. É difícil encontrar um filme infantil que agrade os acompanhantes e gere discussões saudáveis e favoráveis ao crescimento tanto do pai quanto do filho. Prova disso foi a reação não somente das crianças que estavam na sala vendo a película, mas dos pais que se divertiam tanto quanto (ou até mais) do que a garotada. Sem falar dos momentos em que os pais explicavam alguma coisa que o filho não tinha entendido muito bem em uma cena ou outra. Isso é muito interessante, pois nota-se que os adultos também se rendem à história e seus personagens em nível diferente das crianças e percebem que fizeram um programa divertido mesmo não sendo o público alvo daquele filme.

E o sucesso disso tudo está particularmente nos personagens. É impossível não se render às artimanhas do malandro RJ ou aos ataques histéricos de Hammy ou à serenidade de Verne ou à audácia da gambá-fêmea Stella e a todas as peculiaridades que humanizam cada bichinho, formando uma trupe carismática e engraçadíssima que proporciona momentos impagáveis onde é impossível não rir. O melhor disso tudo é que o humor usado na história não é idiotizado e alcança ao público de todas as faixas etárias. Claro, tem os momentos infantis, mas para aqueles mais crescidinhos são encarados como uma gracinha despretensiosa da história que, quando acaba, ficamos com um gosto muito bom e saímos satisfeitos, nos identificando intimamente com alguma daquelas incríveis criaturas (é só olhar o pôster que eu coloquei nesta crítica para ter uma idéia qual delas eu gostei mais, apesar de ter me identificado mais com o esquilinho Hammy.. rs..).

Como tudo não pode ser cem por cento perfeito, Os Sem-Floresta peca pela despreocupação em ter uma trilha sonora adequada, que serve mais para marcar os momentos sentimentais do filme e só, além de não ter uma trilha para as versões dubladas para o português, mantendo a música americana mesmo na versão brasileira. Nada contra, claro, mas poderiam ter usado uma trilha nacional para que conquistasse e ficasse marcado na cabeça da platéia, o que aconteceu em Madagascar. Quem não saiu da sala cantando "eu me remexo muito…" ou na versão legendada "I like to move it move it…"? Além disso, em alguns momentos fica desconfortável perceber que não houve harmonia entre os personagens e o cenário, este último ficando, na maioria das vezes, desfocado, causando um desnível chato em uma produção que estava em uma linha tão competente. Mas isso é compensado ao mostrar o cenário sozinho, como nas cenas abertas onde mostra o condomínio que é "vizinho" da floresta, com seu design interessante. Em relação ao roteiro, a única queixa seria aquele final forçado de sempre, mas às vezes me pergunto se ele realmente não é necessário, já que trabalhar mais para ter um final espontâneo iria somente alongar a projeção e causar cansaço nas crianças. De qualquer forma, isso ainda me incomoda e soa como "quero logo terminar o filme", o que é uma pena, pois até então estava tudo divertido o suficiente para causar essa sensação de desgosto.

Mesmo com seus contras, o roteiro tem muitos prós interessantes. Como já mencionei, o filme dá margem para filhos e pais entrarem em um diálogo a respeito da convivência familiar, de como nós julgamos os outros, das ações da sociedade, de como o meio ambiente está sendo reduzido devido ao avanço assustador da urbanização, dentre outros temas que estimulam as crianças a começar a se situar na sociedade atual. Claro, tudo em suas dosagens e respeitando o limite de raciocínio e inteligência (dosado pelo acompanhante) que cada criança tem, não refletindo aquela idéia que filme infantil precisa ter a chamada "lição de moral" para valer a pena. Em Os Sem-Floresta, percebemos que são várias lições que podemos tirar de cada cantinho da película, não centralizando a razão de existir em um ponto ou outro que, na maioria das vezes, é pouco trabalhado.

Enfim, Os Sem-Floresta cativa pelo carisma dos animaizinhos e se junta à lista das boas animações infantis que temos por aí, e passando muitas outras produções esteticamente e agradavelmente inferiores, mas não conseguindo ultrapassar os tops como Procurando Nemo e Os Incríveis. Apesar disso, sem dúvida alguma, o longa conquistou seu lugar no panorama cinematográfico das animações. Uma boa opção para pais, filhos, adolescentes, idosos, na qual até o menos sorridente vai se render e soltar um sorrisinho, nem que seja aquele estilo Amèlie Poulain.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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