Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 02 de julho de 2006

Separados pelo Casamento

Bem mais do que eu esperava, porém bem menos do que pode ser feito para consolidar os protagonistas e os envolvidos com a parte técnica da produção, que acaba se revelando mais uma opção divertida e diferente atualmente em cartaz, Separados Pelo Casamento conquista o carisma do público pela ousadia de investir tudo para fugir dos clichês, abandonando de vez o lugar comum.

Inicialmente mostrando como os protagonistas Gary (Vince Vaughn) e Brooke (Jennifer Aniston) se conheceram, parece que os próximos minutos de filme serão idênticos a todas as outras comédias românticas que circulam por aí, mas o que acontece? Percebemos que a trama já começa engatada e se dá do fim para o começo. Não entendeu? Simples. Gary e Brooke são casados há dois anos e começam a enfrentar os eventuais problemas de casados. Cobranças, desleixos, desarmonia. Não é fácil lidar com tudo isso debaixo do mesmo teto quando não se tem harmonia com seu companheiro(a), mas o problema é que eles tinham e, mesmo assim, mostraram um casamento tão recente já entrando em crise. A partir das dificuldades de convivência, os protagonistas continuam morando no mesmo apartamento, mas agindo como estranhos, em uma separação superficial que, na cabeça deles, poderia servir para fazer com que percebessem o quanto um ama o outro e trazer a paz de volta. O difícil é quando a situação foge do controle e eles se deparam com o verdadeiro risco de uma separação definitiva. É aí que passamos a presenciar o conflito deste casal e somos testemunhas da dissolução dessa relação.

O roteiro foi muito feliz em criar uma história, digamos, invertida. Já estamos cansados daqueles besteiróis que sempre acabam do mesmo jeito, com um casamento ou com sei lá o quê. A tentativa de inovar e começar pelo casamento, mostrando as atribulações que ele causa, foi fundamental para diferenciar, em partes, o longa. Em partes porque, mesmo não querendo, acaba seguindo alguns clichês momentâneos que, felizmente, não influem muito no desfecho da trama. A análise psicológica e comportamental feita do casal serve de estereótipo para a vida real e, sem dúvida, acabamos nos identificando com algumas das situações vistas na telona. Não é preciso ser casado oficialmente para ter problemas com os romances que vivemos. O exagero é um ingrediente fundamental para que passe irritação ao espectador, que acaba em uma confusão de sentimentos se queremos que eles terminem juntos ou não. Gary e Brooke são apaixonados, é claro, mas muitas das ações que fazemos dentro de um relacionamento são responsáveis por nos afastar até de quem amamos e nem sempre percebemos isso. É aquela famosa frase: “só damos valor quando perdemos”. Neste ponto, o enredo se sustenta, apesar da leveza com que é conduzido pelo diretor Peyton Reed. Como tudo tem um porém, os diálogos estavam mais maduros, mas nem sempre se conectavam criando uma afinidade completa na história. Sem mencionar algumas piadas que não funcionaram como o previsto, mas disso falo mais adiante.

Reed adora usar a sensibilidade, mas nem sempre favorece no desfecho de algumas seqüências. Claro, ele possui sacadas ótimas e planos no mínimo interessantes, brincando com desfoque e angulações competentes, mas acaba cometendo alguns erros bobos de continuidade e desagradando aqueles mais ligados nos mínimos detalhes. Mesmo assim, Reed consegue envolver o público naquela história tão maluca e ao mesmo tempo tão normal, despertando emoções e reações que outras produções do gênero não se preocupam em despertar. Mais um ponto positivo! A intensidade com que os cento e poucos minutos de filme são tratados dá um ritmo ousado a essa comédia romântica, que, para mim, poderia muito bem ficar na sessão dos "filmes divertidos que tratam de relacionamentos conjugais" e não exatamente na parte de comédia. Claro, tem seus toques de humor, muito bem impostos por parte do elenco, mas acaba decepcionando com o exagero de "tentar ser engraçado" enquanto o melhor a ter sido feito é dar uma carga dramática ao filme, com bom senso e sem perder o humor.

Os protagonistas no começo não convencem mesmo. É difícil imaginar a Jennifer Aniston uma mulher irritada com as atitudes do marido. Em contraponto, Vince Vaughn já demonstra uma familiaridade com o papel e cria um personagem exagerado e irritante no início, acertando em cheio no objetivo que tinha. Com o desenrolar e a familiaridade com os personagens, eles vão se encontrando e dando mais segurança ao público, mas deixam claro que ficam melhor atuando separadamente do que em conjunto, pois falta um quê naquela relação e deixa a desejar em alguns momentos, apelando para a superficialidade. De qualquer forma, Aniston não é um marco na história cinematográfica hollywoodiana e nem está perto de ser. Nada contra ela. Até é carismática e bonita, mas sua "cara única" em todas as cenas incomoda e denuncia seu robotismo. Ser eclético em um personagem é a melhor coisa a se trabalhar para não criar uma visão de: "só sei fazer isso e isso". Já Vaughn é mais preciso na atuação, apesar de criar um desgosto ao fazer expressões de arrependido ou pensativo, tentando demonstrar uma sensibilidade atrás de todo aquele sarcasmo que, para mim, não existia.

Juro que eu fiquei torcendo para o final ser de um jeito diferente e, graças à Hollywood e sua tentativa de se afastar de clichês mal empregados e cínicos, deu uma nova cara à trama e com certeza fez com que eu me sentisse no mínimo satisfeito com a produção. Não, não é a melhor comédia romântica do mundo e nem chega perto de ser, mas faz o que pode e ainda ousa em diversos aspectos que produções por aí não tiveram coragem de investir. Sem falar de algumas canções brasileiras que embalam um ou dois momentos do longa, agradando em cheio e não embalando a trama naquela trilha pop ou emo de sempre. Não que eu não goste, mas acaba sendo um diferencial e demonstrando peculiaridade. Enfim, Separados Pelo Casamento é uma boa opção para quem quer mais do que uma comediazinha, e sim, algo mais sólido e interessante. Não entrou para minha lista dos favoritos, nem mudou minha vida, mas moldou alguns pensamentos que eu tenho sobre relacionamentos amorosos. Tem seus prós e contras, mas consegue sair do lugar comum e mostrar que se pode fazer boas comédias sem seguir os mesmos protótipos. Acho que seis estrelinhas está de bom tamanho!

Diego Benevides
@DiegoBenevides

Compartilhe

Saiba mais sobre