Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 02 de julho de 2006

Tristão e Isolda

Um roteiro medíocre, uma direção vergonhosa, erros de continuidade escandalosos, cenas de batalha que até as dos filmes antigos dos “Trapalhões” fazem mais bonito, uma competição acirrada para ver quem atua pior, um visual brega ao extremo... e por aí vai. Sim, esse é mesmo “Tristão e Isolda”. Um verdadeiro desperdício de tempo e dinheiro.

Adaptar contos famosos sempre foi uma prática rotineira em Hollywood, e a clássica história do amor proibido de “Tristão e Isolda”, depois de várias tentativas de adaptações, ganha agora uma com o apoio de ninguém menos que os irmãos Ridley Scott e Tony Scott. Nunca aprovei essa estratégia de marketing de pôr um nome de peso, que nada fez à produção além de autorizar que seu nome apareça nas divulgações, e eis que em todos os pôsteres, trailers e spots de TV vemos o anúncio “Ridley Scott apresenta: Tristão e Isolda”. Agora eu não sei se admiro ou me decepciono em relação posição do diretor de “Gladiador”, pois, convenhamos, deixar seu nome em uma produção de última categoria como esse “Tristão e Isolda”, sem temer os terríveis comentários a que estaria exposto, exige muita coragem.

Afinal, o que poderíamos esperar de um filme aparentemente sério, com uma história mais do que conhecida, porém, estrelada pelo fraquíssimo James Franco (o Harry Osborn, de “Homem-Aranha”), e no trailer, pasmem, a trilha sonora de fundo é a canção “Going Under”, da banda modinha do momento Evanescence ? Nada contra o grupo, que, por sinal, eu curto muito, mas pôr uma canção do momento em um filme de época, de cara se percebe que a seriedade para com a produção sequer chegou a passar perto de algum dos realizadores. Enfim, já com uma vaga idéia do que estava por vir, fui assistir ao filme e eis que o resultado foi diferente do esperado: o filme não é ruim como imaginava, é pior ainda.

Após a queda de Roma, os senhores da Guerra da Inglaterra são brutalmente mantidos na linha pelas forças do Reino Irlandês do rei Donnchadh. Um desses líderes, Senhor Marke (Rufus Sewell), procura unir as tribos inglesas para formar uma forte nação que tenha seu próprio reino. Seu melhor cavaleiro é Tristão(James Franco), o qual Marke criou desde que se tornou orfão quando um ataque irlandês também levou a sua família. Ferido e deixado para morrer após a batalha, Tristão é curado por Isolda (Sophia Myles), uma misteriosa e bela irlandesa que o esconde de seu pai, Rei Donnchadh. Mas sua paixão tem um término repentino quando Tristão tem que retornar à Inglaterra, sem saber que irá ver Isolda novamente. Ainda esperando jogar o caos de volta às tribos Inglesas, Rei Donnchadh dá a sua filha como prêmio em um torneio entre todos os campeões da Inglaterra. Tristão ganha a mão da princesa para seu Senhor Marke, quem a visão de unificar a Inglaterra parece ter finalmente conquistado. Tristão fica horrorizado em saber que a mulher a quem ele ganhou a mão para seu Senhor, a mulher a quem Marke irá casar, é a mulher que o salvou. Antes separados pela guerra dos países, agora pela lealdade ao seu Rei e ao seu país, Tristão e Isolda devem suprimir seus sentimentos pelo bem da paz e do futuro da Inglaterra.

Para começo de história, “Tristão e Isolda” é tão medíocre que é admirável que tenha chegado aos cinemas e não sido lançado diretamente em DVD. Aliás, todo o visual parece mais um daqueles filmes feitos diretamente para a TV, do nível dos vários filmes de “Hércules” que foram feitos estrelados por Kevin Sorbo (aquele mesmo do seriado), que já cansamos de ver passar no SBT. A direção de arte, cada detalhe, tudo é tão artificial que fica duro de engolir que se trata realmente de uma história medieval. Desde os detalhes menores, como o cabelo ridículo de James Franco, até os mais importantes, como as arenas de batalha, tudo dá vontade de rir, ficando difícil se concentrar na história. Desse tipo de filme se espera cenas de batalhas grandiosas, pois se esse é seu intuito ao ir ver “Tristão e Isolda”, é melhor que vá na locadora mais próxima de você e alugue qualquer uma daquelas produções menores estreladas por atores de seriados à procura de um lugar ao sol. Todas as batalhas são imensamente artificiais e mal-coreografadas, de modo que não há uma cena sequer que seja capaz de fazermos expelir alguma exclamação e, tampouco, alguma cena memorável. Há de ressaltar que os produtores foram cautelosos demais quanto à violência, a fim de manter uma censura baixa. Nas longas duas horas de projeção, quase não se vê sangue. E olhem que aparecem decaptações, dedos sendo cortados, mas sangue mesmo, nada. Bom, quer só um exemplo para desistir de antemão? Então lá vai: no meio de uma batalha, dois cavaleiros simulavam uma luta, e um diz para o outro “tente ao menos parecer real”, e, após o primeiro golpe, ele cai de joelhos e grita “Eu me rendo!”. É mole?

Creio que os nomes do roteirista Dean Georgaris e do diretor Kevin Reynolds (de “Robin Hood – O Príncipe dos Ladrões”) por algum tempo ficarão gravados em minha memória, pois fazia tempo que não via um trabalho tão ruim. O primeiro, que já havia escrito o também fraquíssimo “Lara Croft: Tomb Raider – A Origem da Vida”, se rebaixa ao zero absoluto aqui, conseguindo pegar uma história conhecida e escrever um roteiro cheio de colocações que não possuem nexo nenhum, deixando aquela sensação vaga no ar na maioria do tempo. Basta dizer que toda a guerra que ronda a história parece tão forçada como o tal amor entre eles, que, por incrível que pareça, nunca aparenta ser verdadeiro. E o que dizer daquele flashback terrivelmente mal encaixado logo no clímax ? Tudo cai na banalidade e no velho clichê, de forma que de antemão já sabemos tudo o que vai acontecer. Sabemos quem morre, quem sobrevive, quem trai quem, e etc. É um coquetel de estereótipos muito mal batido: estão lá presentes o herói bonzinho que teve os pais mortos, a mocinha com cara de inocente (e que, convenhamos, de inocente mesmo não tem nada) e provoca a discórdia entre homens, o rei que naturalmente acaba se tornando o vilão da trama, e, lógico, o famoso traidor também tem que bater ponto.

Não adianta muito falar das interpretações individualmente, visto que todos estão ruins. Nem todos por culpa própria, já que o contexto geral da produção e a condução sofrível do diretor Kevin Reynolds os tornam demasiadamente limitados, deixando os personagens totalmente robotizados e sem liberdade de expansão de seus sentimentos. Uns nota-se que são ruins por natureza, como é o caso do inexpressivo James Franco, já outros, como o caso do bom ator Rufus Sewell, que interpreta o Rei Marke, se mostra apático perante o mal desenvolvimento de seu personagem. Sophia Myles, como Isolda, é linda, e até se esforça para fazer um bom trabalho, mas a mecanização imposta pelo diretor consegue impedir que surja algum brilho vindo de sua parte.

Pode parecer rigoroso de minha parte, afinal, filmes ruins são lançados todos os dias, e “Tristão e Isolda” pode até agradar àqueles que vão ao cinema uma vez na vida, mas, convenhamos, não é preciso nem tanto bom senso para dizer que tudo o que é visto é desprezível. Histórias famosas como essa certamente mereciam um tratamento melhor, e já que o resultado final é para ser algo como isso, pelo menos que tenham consciência de não jogar tanto dinheiro fora.

Thiago Sampaio
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