Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 30 de abril de 2006

Tudo Por Dinheiro

Com um começo interessante, mas um meio arrastado, “Tudo Por Dinheiro” é um filme que parece cair na obviedade e nos velhos clichês, se não fosse uma virada brusca na história ao final. Com personagens complexos e bem interpretados, o filme acaba se torna uma boa pedida para quem curte análises psicológicas embutidas em diversão gratuita.

Muitos foram os filmes que retrataram o mundo dos esportes, e “Um Domingo Qualquer”, dirigido por Oliver Stone e também estrelado por Al Pacino, foi o primeiro a mostrar tudo aquilo que acontece por trás das câmeras, o submundo dos esportes mostrando todas aquelas falcatruas de dirigentes e comissão técnica que sabemos que existe, mas nunca vemos. Porém, outro fator relacionado ao submundo dos esportes nunca fora visto com tanto aprofundamento: as apostas. No movimentado mundo das apostas, muitas pessoas se tornam milionárias, destroem vidas perdendo tudo o que tem, e vão do céu ao inferno e vice-versa em questão de apenas o tempo de duração de uma partida. “Tudo Por Dinheiro” é um filme que nos dá uma pequena amostra desse conturbado e polêmico mundo, através de personagens com um lado psicológico interessante e complexo, que pode na verdade ser qualquer um de nós.

Durante anos um sonho fez com que Brandon Lang (Matthew McConaughey) se dedicasse ao futebol americano, jogando das ligas infantis até os times universitários. Um problema no joelho fez com que abandonasse temporariamente o esporte, mas ele ainda acreditava que poderia ser convocado para jogar em um dos times profissionais. Durante anos Brandon enviou cartas para os mais diversos olheiros, mas sempre recebia negativas como resposta. Enquanto isso, para se sustentar, trabalhava em um cubículo, atendendo ligações. Brandon começa a perder a esperança de realizar seu sonho, até que recebe uma carta de Walter Abrams (Al Pacino), responsável pelo maior serviço de esportes dos Estados Unidos. Walter não quer Brandon jogando, mas acredita que ele possui habilidade para detectar os vencedores das partidas, o que o tornaria um trunfo e tanto no ramo das apostas. Walter acredita tanto em Brandon que lhe faz uma proposta irrecusável: que ele escolha o valor do contra-cheque e se mude para Nova York. Brandon aceita a proposta e, a partir de então, passa a ser o "menino de ouro" dos negócios de Walter.

O filme se mostra interessante exatamente ao analisar esse lado das apostas, e como essa risca tanto é capaz de mobilizar pessoas, por mais que estas se encontrem em situações favoráveis. Uma bela mostra é quando um homem em um daqueles grupos de terapia se diz "doente" de jogar, e o personagem de Al Pacino diz: "Você não tem uma doença, você é a própria doença. Você não joga para ganhar, mas para perder. Por mais que vença um dia, você apostará tudo no dia seguinte sabendo que sairá arruinado. É o fracasso que nos preenche". Uma citação que merece, no mínimo, ser analisada com o coração, pois de fato, apostar em resultados se torna um ciclo vicioso que, por mais que a pessoa ganhe demasiadamente e tenha tudo nas mãos, a ambição fala mais alto que qualquer coisa até que o sucesso se transforma em fracasso, e ao fracasso, tal ciclo só mantém uma continuidade na busca novamente pelo sucesso. Um paradoxo é muito bem feito através do personagem Amir, cuja participação no filme de início parece ser de um mero figurante, mas se torna uma forte personificação de como a jogatina é capaz de transformar os padrões de vida radicalmente da noite para o dia, movido unicamente pela ambição. Também muito bem feito um paralelo entre Amir, um homem humilde, com o poderoso magnata Novian (o desaparecido Armand Assante), mostrando que nesse mundo da jogatina, pessoas jogam por fins diferentes (seja por necessidade ou puro prazer), mas no fim, todos são envolvidos em grandes valores que resultam em grandes perdas.

O filme começa interessante, colocando em questão como o personagem de Matthew McConaughey, movido pela angústia de não poder dar prosseguimento em seu sonho, cai no mundo das apostas, porém de um lado “honesto” (o de “aconselhador de apostas” para os verdadeiros viciados). Depois, a narrativa se perde de uma forma considerável, chegando a parecer arrastada demais por boa parte da projeção, caindo na homogeneidade (seguidas apostas, a ascensão e declínio do personagem Brandon…). Boa parte do longa lembra até filmes como “O Advogado do Diabo” e “A Firma”, com aquela mesma história de um homem que sai de um emprego simples, é contratado por uma grande firma, de início tudo parece ser as mil maravilhas, mas com o passar do tempo ele vê que o negócio não é bem assim. A longa duração (que chega a passar das duas horas) é um fator negativo, pois acredito que todo o conteúdo do filme poderia muito bem ser retratado de maneira mais resumida em torno de 1h40min, tornando-se assim menos cansativo ao cortar algumas passagens repetitivas e desnecessárias. A frenética e irregular direção de D.J. Caruso (de “Roubando Vidas”) até que tenta disfarçar a prolixidade da narrativa apelando para uma edição bastante rápida (são raros os momentos parados do longa, e takes que se prolonguem por muito tempo) e se apoiando muito em uma trilha sonora pesada – muitas vezes, se nota até uma tentativa de o diretor copiar o estilo adotado por Oliver Stone em “Um Domingo Qualquer”, principalmente no desfecho final quando é feito o paralelo jogo/vida.

O grande ponto alto do filme é sem dúvidas a análise dos lados psicológicos dos personagens. Por trás da superfície clichê, existem personagens bem mais complexos do que aparentam, interpretados com muita qualidade. Walter Abrams é um personagem que, de certo modo, é aquele ser estereotipado e virtuose ao extremo, chegando até a ser exagerado – algo bem típico dos últimos personagens de Al Pacino, como em “O Novato” e “O Advogado do Diabo” -, um ser que se apresenta em um status de moralismo acima de qualquer outro que esteja ao seu redor. Por trás desse arquétipo, existe um ser amargurado pela sombra do passado e tem a sua ambição unida com o poder, sua única razão de viver, mesmo sabendo que o que faz não lhe traz a real felicidade.

Já Brandon Lang é o personagem mais interessante do longa. Um fiel retrato de um jovem que, ao ter seu sonho desfeito por causa de um acidente, arruma uma grande chance na vida, mas, para isso, ele tem que se tornar, literalmente, outra pessoa. Lang é uma clara simbologia de que para se tornar uma pessoa de poder é preciso perder a própria identidade. Podem reparar as disparidades entre Brandon Lang e John Anthony (o pseudônimo de Lang): Brandon é um jovem justo, educado, preocupado com a família; já John é egocêntrico, mal-educado, vaidoso e com um enorme poder de persuasão…e é este segundo quem se torna famoso e cresce na profissão, mostrando que não basta ser correto para se ganhar dinheiro. Walter e Brandon representam imagens opostas, justificando a relação pai-e-filho que o primeiro tinha com o segundo, até mesmo quando Brandon se mostra ineficiente em seu trabalho: Walter enxergava em Brandon não apenas um filho, mas seu próprio reflexo mais jovem, porém vitorioso e com um futuro promissor. Por outro lado, Rene Russo está perdida em cena, não pelo seu desempenho, mas pela forma medíocre com que seu papel é tratado. Sua função em cena é apenas ser “a esposa de Walter” e “possível flerte de Brandon”. Pelo menos isso é o que indica até os minutos finais da projeção (sim, há toda uma reviravolta em seu papel).

“Tudo Por Dinheiro” é um filme que, apesar de não apresentar novidades na história, deve agradar pela química apresentada entre os protagonistas, em personagens que merecem ser analisados. Para quem começar a ficar entediado lá pela metade da projeção devido a obviedade do roteiro – de fato, são muitos os fatores que você acredita já saber o desfecho desde o início – há uma quebra brusca nesse padrão aos momentos finais, fazendo-nos refletir sobre muitos pontos da história. Assim como uma partida de futebol, o resultado de um filme pode ser alterado mesmo que nos minutos finais. Tudo que parecia cair no clichê (como o possível caso entre Brandon e a mulher de Walter, e até mesmo a caracterização estereotipada de Walter por Pacino), tem suas justificativas criativas, surpreendentes e, por fim, satisfatórias. É, aquela lição de que dinheiro não traz felicidade está longe de ser nova, mas ser vista de uma maneira diferente nunca é ruim para ninguém. Arrisque, afinal, a vida é um jogo de escolhas.

Thiago Sampaio
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