Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 21 de maio de 2006

Outros, Os

Os Outros, primeiro projeto em língua inglesa do chileno Alejandro Amenábar, embora pareça tratar de um tema comum aos filmes de suspense, surpreende pela maneira com que o cineasta consegue abordar o sobrenatural.

À medida que o tempo passa, produções cinematográficas de qualidade tornam-se deveras escassas. A abordagem de alguns temas específicos encontra-se cada vez mais fácil de ser vista em filmes, como é o caso do assunto referente a espíritos. Os Outros trata a respeito disso, porém não cai na mesmice dos longas de suspense.

A história do filme aparenta ser simples. Em 1945, época da Segunda Guerra Mundial, Grace (Nicole Kidman) e seus dois filhos, Anne (Alakina Mann) e Nicholas (James Bentley), vivem na distante ilha de Jersey. Enquanto espera ansiosa o retorno de seu marido do campo de batalha, a mulher tenta cuidar das crianças da melhor maneira possível, sempre primando pelo bem-estar destas e tentando mantê-las em segurança. Um certo dia, três pessoas, Sra. Mills (Fionnula Flanagan), Sr. Tuttle (Eric Sykes) e Lydia (Elaine Cassidy), batem à porta da mansão isolada em busca de emprego. Grace os aceita, já que os antigos funcionários da casa haviam desaparecido misteriosamente. Logo, os atuais empregados são instruídos das regras do local, que têm que ser cumpridas rigidamente. Como as crianças têm uma rara doença a qual impede que sejam expostas à qualquer luz de intensidade muito grande, as cortinas precisam estar prontamente fechadas e, assim que alguém sair de determinado cômodo da casa, as portas têm que ser devidamente trancadas. Com o passar do tempo, começam a acontecer estranhos acontecimentos, os quais Anne, a filha mais velha, jura ter presenciado. Grace se mostra relutante em acreditar que aparições sobrenaturais realmente estejam acontecendo em sua casa, porém começa a sentir a presença assustadora de outras pessoas no local.

Os Outros surpreende pelo modo como trata um tema que, aparentemente, é bastante batido entre os longas de suspense. A presença de seres assustadores são constantes em produções do gênero, porém a forma como o cineasta – que, na época, tinha apenas 28 anos – conduz a trama atribui um tom original ao projeto. Além disso, o longa trata, de certa forma, da religiosidade das pessoas, à medida que Grace, uma católica inveterada, encontra-se relutante em pensar que seres sobrenaturais estão entre ela, pois espíritos não são aceitos em sua crença.

O fato de as crianças serem fotossensíveis à luz torna capaz um melhor aproveitamento de cenas ambientadas na penumbra, fazendo com que estas não pareçam forçadas, o que contribui bastante para a fotografia do filme, a qual, em sua maioria, é feita somente à luz de velas. Além disso, a névoa da região em que a casa habitada pelos personagens encontra-se dá uma ênfase ao aspecto sombrio tão necessário a um longa de suspense.

A trilha sonora apresenta duas funções importantes: a de assustar e a de comover. Em algumas cenas, o som tem sua intensidade alternada, trazendo uma atmosfera maior de suspense, já em outras é mais suave, fato que faz com que o espectador mais atento realmente entre no personagem, visualizando os seus medos e angústias.

Amenábar consegue fazer uma direção responsável, sabendo deslocar muito bem a câmera de um ponto para o outro, enfocando e centralizando quando preciso, trazendo, com isso, uma curiosidade a mais a respeito do que irá acontecer na cena. Por sinal, o jovem diretor tem várias funções, visto que, além da direção, assina o roteiro e a trilha sonora do longa.

Por fim, não poderia deixar de citar o belo trabalho desempenhado pelos atores. Tendo atuado no mesmo ano em Moulin Rouge – Amor em Vermelho, filme de gênero completamente oposto ao de Os Outros, Nicole Kidman consegue se desvencilhar totalmente de Satine, seu papel no romance musical, e entra completamente em Grace, de Os Outros, fazendo com que esta pareça forte, porém, ao mesmo tempo, frágil e perturbada. Seu olhar é outro fator importante, já que demonstra o medo por qual a sua personagem está passando. Fionnula Flanagan, que interpreta Sra. Mills, a babá das crianças, é outro destaque da trama. A atriz, não tão famosa nos cinemas, consegue passar duas imagens necessárias à sua personagem, uma de criada amável, bastante hospitaleira, e outra de alguém aterrorizante e misteriosa.

Com uma trama que prende o espectador do início ao fim, Os Outros é uma boa pedida para aqueles que gostam de suspenses manipulados de uma forma inteligente. Não foi à toa que o filme permaneceu durante oito semanas entre os mais assistidos nos cinemas dos EUA.

Andreisa Caminha
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