Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 23 de abril de 2006

Brasília 18%

Um [i]thriller[/i] político brasileiro que se utiliza de todos os chavões que enfrentamos diariamente com relação ao mundo político. Com um tema que se distancia dos gêneros abrasileirados de se fazer cinema, “Brasília 18%” levanta, no mínimo, curiosidade.

“Brasília 18%”: só pelo título dá pra saber que se trata de um filme brasileiro. Entretanto, ele tem lá suas diferenças dos demais lançamentos brazucas. O filme se apresenta como um thriller político, gênero muito escasso em nosso cinema, logo, trás um ar de ser o diferencial, que pode ir além do que estamos acostumados (violência, favela, personagens nordestinos, comédias simples, etc.), gerando assim uma expectativa realmente normal. Mas, já nos primeiros minutos da projeção, essa expectativa desce juntamente com os cílios dos olhos sonolentos daqueles que assistem à película.

Como já dito, a trama é política. Carlos Alberto Riccelli é Olavo Bilac (essa questão dos nomes famosos eu comento mais tarde, não se espante ainda), um médico legista brasileiro, mas que trabalha nos Estados Unidos. Ele é chamado de volta à terra-natal para fazer uma investigação forense de um corpo ainda não reconhecido, mas que leva a crer ser uma garota que trabalhava com políticos e estava prestes a dar uma de Roberto Jefferson, ou seja, entregar algumas coisas dos bastidores que envolvem os nossos “colegas” políticos, seu nome é Eugênia Câmara (interpretada por Karine Carvalho). Caso Bilac reconhecesse como o corpo sendo da moça, o ex-namorado dela, Augusto dos Anjos (Michel Melamed), seria condenado por assassinato. Caso contrário, a porta estaria aberta para Eugênia entregar alguns corruptos, ou seja, ela ainda estaria viva, porém desaparecida. Entretanto, Olavo Bilac tem muito mais com o que se preocupar do que somente dizer a verdade a respeito de quem é corpo.

É um roteiro de feição política, investigativa, policial e dramática. Entretanto, o filme se baseia em uma simples narrativa contínua, sem demonstrar sequer uma mínima reviravolta. É tudo muito confuso, mas não deixa de ser previsível. A apresentação dos personagens é simples ao extremo, principalmente aqueles que sabemos que serão usados no desfecho. Mesmo tendo em mãos um gênero que abre um leque de opções para uma trama ser apresentada, o trivial ao extremo é que foi utilizado. E digo mais, de forma tão básica, mas tão básica que soou como um trabalho mediano de iniciante acadêmico.

A culpa da precariedade do filme é fácil de ser apontada, e ela recai sobre o roteiro e a direção, que, por incrível que pareça, são assinados pelo experiente cineasta e dono de ótimos filmes na carreira (“Memórias do Cárcere” e “Vidas Secas”, são apenas dois exemplos) Nelson Pereira dos Santos. Devo eu ter cautela para falar dessa pessoa que muito nos deu de interessante, mas o que aconteceu com a cabeça do ilustríssimo cineasta quando estava fazendo “Brasília 18%”? E olha que a fajuta palavra “óbvio” está longe das grandes obras do Sr. Nelson Pereira dos Santos. Enfim, fez… Está feito!

Digo óbvio porque é esse o carro-chefe de “Brasília 18%”. Falar dos políticos brasileiros e do dia-a-dia deles é citar coisas como: CPI termina em pizza, todo político é corrupto, o poder corrompe, eles não estão nem aí para o povo, eles manipulam e uma série de reticências… Então, já que sabemos bem como falar dos nossos políticos, precisamos de uma película que fale simplesmente o que já é dito em todas as cervejadas e rodas de conversas? Sinceramente: NÃO!

A precariedade do filme não é só isso, vem também a parte técnica. Atores mal colocados, personagens mal estruturados (por mais que alguns tenham passado tudo que propunha) e erros de continuidade aos montes. Malu Mader e Carlos Alberto Riccelli são apenas um prelúdio para interpretação de Evandro Mesquita. De tão pobre, horrível, ela chega a causar risadas. O ator tenta fazer um sotaque estrangeiro para seu personagem, mas o que consegue mesmo é fazer uma atuação boba ao extremo.

O que ainda consegue se safar é a trilha sonora (por mais estranha que seja) e o diálogo que o filme tenta travar. Mesmo o foco principal tendo se utilizado do óbvio, como dito anteriormente, ele demonstra alguns aspectos interessantes e bem escancarados da vida política por trás das CPIs e da época de eleições. Tudo aquilo que temos em mente de como é um político quando a gravata está frouxa, o filme mostra de forma plenamente escancarada.

Trazendo consigo algumas premissas que geram expectativa, o filme se perde em todos os quesitos importantes. Por outro lado, alguns menos importantes (e pouco observáveis) acabam sendo bem explorados. Digamos que de 100% do filme, apenas 18% sejam dignos de elogio (seria por isso o nome “Brasília 18%”?). Infelizmente eu tive que falar mal de um filme de Nelson Pereira dos Santos, mas podem ter a certeza de que ele fará algo melhor, para que eu e muitos voltemos a elogiá-lo.

Ah, ia esquecendo. Todos os nomes usados são de personagens da nossa história. Quando apresentados, eles causam risos, ainda mais por estarem em personalidades totalmente deslocadas das verdadeiras. Por exemplo: Machado de Assis é um político. E não são só nomes brasileiros, pois o nome Jean Paul Sartre, o filósofo que dissertou sobre o existencialismo, também é utilizado. Tudo mera coincidência, segundo uma nota mostrada ao final do filme. Além dos nomes, alguns fatos e discursos chegam a lembrar explicitamente cenas da vida real, ou melhor, cenas desse cotidiano que vemos nos meios jornalísticos quando estes falam dos nossos políticos. E essa questão de nomes e analogias bem expostas faz com que o filme não seja 100% desastroso.

Raphael PH Santos
@phsantos

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