Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 31 de março de 2008

Clube da Luta

Segundo os critérios do CCR, um filme GOOGLE é aquele em que você encontra tudo o que você procura e algo mais. No caso do Clube da Luta, esse algo a mais é simplesmente excepcional. Possibilitando-o ter várias interpretações, servindo, por exemplo, de inspiração para brincadeira de moleque a objeto de uma amostra sobre a violência no cinema organizada por uma universidade federal.

ATENÇÃO: Se você ainda não assistiu ao filme, lembre-se que aqui nesta matéria contém fatos que podem revelar algo do filme ou de sua história ("spoilers"), por isso fica ao seu critério ler ou não a matéria.

Em uma trama envolvente, o filme o leva por uma edição rápida e confusa, que lhe traz à atmosfera do mundo criado pelo personagem de Edward Norton (conhecido apenas como “narrador”). No começo, temos um papo sobre comprar coisas em catálogos e sobre o valor que isso tem em nossas vidas, filosofia barata? Não mesmo. Com o decorrer do filme, destacam-se as fortes cenas de luta, violentas por sinal, assim como as missões da organização criada por Tyler Durden, personagem de Brad Pitt. A essa altura, já nem lembramos mais daquele começo filosófico sobre o consumismo, mas nesse ponto é que a aplicação dada a essa “filosofia” chega ao ápice.
Se você ainda não assistiu a esse filme e não gosta de que lhe contem detalhes do filme, pule esse parágrafo, posso estragar uma grande surpresa. Na verdade, os personagens de Edward Norton e Tyler Durden são a mesma pessoa. Tal fenômeno é conhecido como distúrbios de personalidade múltipla, teoria psicológica que estava muito em voga na época em que o filme foi feito.

Esse distúrbio é causado muitas vezes por sentimentos reprimidos ou por traumas anteriores, destarte a pessoa realiza uma dissociação em seu cérebro. No caso do filme, o personagem de Edward Norton era um escravo do sistema e queria libertar-se. Incapaz porém de realizar esse desejo, criou Tyler Durden que, como este próprio diz: “eu aparento como você (personagem de Edward Norton) quer aparentar, eu trepo como você quer trepar, sou esperto, capaz e, o mais importante, livre em todas as maneiras que você não é”. Quando pensamos que pára por aí, o filme vem com mais uma: vários pontos de uma corrente psicológica chamada de Psicologia Crítica são abordados no filme, tais como a do Homem Unidimensional. Vale a pena salientar outro ponto positivo do filme. O fato de Tyler Durden ser o amigo imaginário do “narrador” pode ser percebido em várias cenas do filme, não é muito difícil, porém não deixa de ser sutil. É um ponto positivo, porque não há uma trama mirabolante como, por exemplo, os filmes do Shyamalan, que acabam deixando tudo sem pé nem cabeça durante a trama, só para evitar ao máximo que adivinhemos o final. É somente aqui, no final, que ele encaixa umas peças que faz com que tudo faça sentido. Nada contra o Shyamalan, ele é brilhante, seus filmes são bons e ainda trazem uma certa crítica junto.

Psicologia Crítica é uma teoria cujo um dos responsáveis foi Marcuse. De forma bastante resumida e leiga, pois eu definitivamente não domino o assunto, seria o seguinte: somos escravos do sistema e a única maneira de sair desse sistema é criando o seu próprio. Não adianta dizer: ah, mas eu sou um independente e alternativo! Jamais estaria dentro de um sistema! Acredite, você está dentro de algum sistema previsto pelos responsáveis. Quem seriam esses caras? Os poderosos (a elite) de todas as teorias políticas, sociológicas e afins. Só que esses são mais discretos e muitas vezes não são percebidos por nós. Esqueça Bush ou Bin Laden, são pessoas por trás deles. É realmente frustrante saber que por mais que lutemos contra, sempre estaremos dentro de um sistema previsto e por mais que tentemos nos personalizar, acabamos sempre sendo unidimensionalizados, em outras palavras, massificados.

A abordagem do filme quanto a essa teoria é simplesmente fantástica. Começa com uma grande quantidade de informações na auto-descrição do personagem de Edward Norton. Nela ele admite ser um consumista, o qual fica lendo catálogos de compra em vez de pornografia, tentando se definir através do que ele possui e não do que ele é. Até que Tyler chega com a seguinte frase: as coisas que você possui, acabam possuindo você. À medida que o filme vai passando a coisa deixa de ser teórica e passa a ser prática. Tyler Durden cria seu Projeto de Destruição, seu próprio sistema, e atrai muitos seguidores em busca da liberdade prometida. No entanto, seus seguidores acabam apenas trocando de sistema, saindo da alienação de um para a de outro, o que é demonstrado na forma caricatural como alguns membros do Projeto de Destruição comportam-se. Poderia me delongar mais sobre quantos exemplos de Psicologia Crítica encontramos no filme, porém vou deixar isso para os leitores.

Finalmente abordemos aspectos mais técnicos do filme. Com um enredo dessa magnitude, assinado por Jim Uhls, não seria preciso boas atuações, porém os três protagonistas vão além do normal. Brad Pitt encarna seu personagem egocêntrico e confiante. Edward Norton dá um ar inseguro e paspalhão ao seu personagem, modificando-se à medida que este vai adquirindo mais as características de seu “amigo imaginário”. Por fim, a personagem Marla Singer (Helena Carter) completa o trio, com um tom sarcástico, mórbido e irônico. Os detalhes complementares do filme (elenco de apoio, trilha sonora, fotografia…) se não contribuem para abrilhantar o filme, não chegam sequer a arranhar sua excelência.

Estranhamente, a bilheteria foi um fracasso. Tendo custado 65 milhões de dólares, o filme arrecadou apenas cerca de 37 milhões nos Estados Unidos. Creio ser ele, no entanto, um filme de uma aparente proposta ordinária, porém que contém inúmeras surpresas para os mais atentos. Acredite, há ainda diversas críticas e teorias em menor destaque que eu não abordei nesse texto, evitando deixá-lo demasiadamente longo. É uma excelente opção para quem quer apenas se divertir ou quem está procurando algum objeto para aquele trabalho de faculdade, sendo perfeitamente coerente cogitá-lo como uma excelente união entre o Blockbuster e o filme de arte.

Jonas Maciel
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