Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 13 de agosto de 2005

Terra dos Mortos

“Terra dos Mortos” é a prova de que por mais tentem imitar o seu estilo, George A. Romero não é só o pai, mas o mestre dos filmes sobre mortos vivos. Repleto de violência e cenas muito bem dirigidas, sua nova obra agrada aos novos fãs do estilo e ainda revive seus filmes clássicos de maneira positiva.

George Romero simplesmente marcou uma geração através de seus filmes “trash”, introduzindo ao cinema aquelas criaturas mortas que andam e mordem pessoas. Com orçamentos ridículos e maquiagens primitivas, o diretor chamava a atenção não apenas pelo terror em si, mas pelo teor filosófico e as críticas sociais que existiam por traz dos zumbis. Durante muito tempo, tentou-se imitar seu estilo, resultando em diversas produções meia-boca, ocasionando o esquecimento do estilo. Recentemente, produções ressuscitaram o gênero, algumas com prestígio como os ótimos “Extermínio”, de Danny Boyle, e “Madrugada dos Mortos” (que por sinal, é uma refilmagem de "O Despertar dos Mortos", do próprio Romero), de Zach Snyder. Agora, o que poucos esperavam, era que o próprio Romero, aos 65 anos, fosse sair de sua aposentadoria (seu último filme da série “zumbiresca” foi há nada menos que 20 anos atrás) para mostrar ao mundo que ninguém manipula sua temática com sua categoria. E é exatamente isso que ele fez com “Terra dos Mortos”, quarto filme da sua série iniciada em 1968 com “A Noite dos Mortos Vivos”. Tudo bem, o uso dos efeitos especiais e a maquiagem ultra-moderna podem até tirar um pouco do charme de seus filmes antigos, mas é visível que a essência de suas produções foi mantida.

A história? Bem, o de sempre: Os zumbis dominaram o mundo e as pessoas que conseguiram sobreviver estão confinadas em uma cidade cercada por muros. Enquanto nas ruas o caos domina, os ricos vivem isolados em prédios fortificados. Neste cenário, um grupo de catadores de lixo deve impedir uma tentativa de ataque dos mortos à cidade, pois as criaturas estão evoluindo para formas mais avançadas de comedores de carne humana.

Logo de início, Romero nos faz sentir aquele arrepio na espinha ao mostrar a versão antiga do logotipo da Universal, em preto-e-branco – o mesmo usado em “A Noite dos Mortos Vivos” – quebrando a barreira do tempo e mostrando que os "zumbis de Romero" estão de volta. E “Terra dos Mortos” é um filme intenso e direto. Simplesmente não perde tempo com apresentações dos filmes anteriores, e tampouco, com cenas desnecessárias e diálogos estratégicos para passar alguma lição. Desde o primeiro minuto até momento final, acompanhamos a busca desesperada por parte dos humanos pela sobrevivência, enquanto os zumbis dominam a cidade de uma forma frenética e angustiante. Impressionante a habilidade do diretor sexagenário ao mostrar a cidade enraizada pelo realismo sujo e arruinado que a domina, capturando muito bem a atmosfera que marcou seus filmes clássicos e adaptando-a para os dias atuais. Enquanto nas outras produções recentes sobre zumbis, quiseram adaptá-los para os tempos atuais tornando-os mais ágeis e velozes – o que fugia completamente do padrão criado por Romero – em “Terra dos Mortos”, os mortos vivos desenvolvem a habilidade de raciocínio, o que torna algo bem mais plausível ao ganhar uma colocação coerente no nosso mundo real. Nesse contexto, somos apresentados a cenas de ação criativas e muito bem dirigidas, e lógico, marcadas por muita violência, não recomendada para quem possui estômago fraco.

Vale destacar o ótimo trabalho de maquiagem realizado, mostrando a imagem mais horrenda e realista dos zumbis vista até então – com certeza, a imagem que Romero sempre teve em mente, mas que não possuía recursos para pôr em prática há mais de 30 anos atrás, e também, influenciada pelo ótimo trabalho de maquiagem visto em “Madrugada dos Mortos” (2004).

Claro, se tratando de um filme de Romero, “Terra dos Mortos”, não deixa de lado as analogias e críticas sociais, sempre as encaixando de uma maneira envolvente e camuflada em meio a tanto sangue, sem nunca precisar irritar a platéia com os manjados discursos libertários. Se em “A Noite dos Mortos Vivos” (1968), ele fazia uma alusão a estupidez da guerra do Vietnã, e em “O Despertar dos Mortos (1979)” ele apontava para idiotizada sociedade de consumo do país, nesse, ele critica as diferenças de classe social no geral e a forma indiferente com que os seres humanos lidam com a realidade que os cerca. A reflexão é muito bem feita, mostrando os grandes burocratas (aqui, representado pelo personagem Kauffman, vivido pelo ótimo Dennis Hopper) protegidos no alto de prédios, enquanto coloca a “escória” nas ruas para aniquilar os zumbis e limpar o seu caminho, e ainda assim, a tal "escória" não recebe prestígio algum. Ah, é claro, nunca deixando de lado o capitalismo, mostrando as pessoas preocupadas com o dinheiro enquanto a cidade está sendo, literalmente, devorada. O filme faz uma claro reflexo de como nós, humanos, tratamos com banalidade os assuntos sérios que nos cerca, mostrando as pessoas tirando foto com os zumbis, ou brincando de tiro ao alvo com eles, enquanto esses seres podem acabar com suas vidas a qualquer momento. Parece soar ridículo, mas essa indiferença é sim a imagem de nossa realidade. Por acaso, quantas vezes já ouvimos piadas a respeito da atual situação do nosso país, perante essa “palhaçada” (sim, até eu ironizo nossa triste e lamentável situação) da CPI dos correios?

O roteiro apenas tropeça ao querer mostrar que o zumbi conhecido como “Paizão” (para quem não assistiu, ele é o que está bem na frente do pôster), é o grande líder e o principal vilão do filme. O personagem tem um visual bacana, todos os zumbis seguem ele, mas em nenhum momento é mostrado o porquê de tal liderança e o personagem é muito mal aproveitado pela trama, de forma que nunca vemos ele fazer nada de impreossionante e o seu destino simplesmente é omitido do público. O final pode parecer um tanto vazio, deixando aquela vaga sensação de “Qual é? Já acabou ?”, e poderá desagradar a alguns. Por outro lado, pode ser o bom sinal de que a saga de Romero ainda está longe do fim, e podemos esperar mais sangue pela frente.

Quanto ao elenco, não há muito o que comentar já que interpretação é o mínimo que se exige em um filme do gênero. Ainda assim, Dennis Hopper (“Velocidade Máxima”) e John Leguizamo (“Moulin Rouge”) conseguem se destacar. O primeiro dando o tom de frieza perfeito ao poderoso Kauffman, já o segundo, empresta seu sarcástico tom latino, transformando o mercenário Cholo em um homem realmente ameaçador, mas que não deixa de ser divertido (algo semelhante ao seu papel em “Romeu + Julieta”). Por outro lado, o casal principal, interpretado por Simon Baker (“O Chamado 2”) e Asia Argento (“Triplo X”), pouco tem a mostrar em cena. O primeiro apenas está lá para ser o “galã” do filme; já ela, se mostra completamente perdida em cena, sendo claramente prejudicada pelo roteiro.

“Terra dos Mortos” trouxe de volta aquele bom e velho terror inteligente de Geroge A. Romero. Ainda está longe de ser o melhor filme sobre os mortos vivos, visto que os trabalhos anteriores do diretor possuem seus charmes inigualáveis. Dentro de suas particularidades, a nova obra agrada em cheio aos antigos e novos fãs do gênero. Que venha mais!

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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