Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 07 de julho de 2024

MaXXXine (2024): a apoteose de Mia Goth

Na atmosfera vibrante e obscura da Los Angeles dos anos 80, Mia Goth e Ti West escrevem uma carta de amor ao cinema e se consolidam entre os grandes nomes do terror nos anos 2020.

Quando “X” estreou em 2022, foi como um sopro de ar fresco em pleno período pós-pandêmico. Prestigiar a atuação estrondosa de Mia Goth (ela mesma, a neta da atriz brasileira Maria Gladys) foi um excelente motivo para retornar aos cinemas após anos trancafiados. Mal se podia imaginar que, ainda no mesmo ano, ela viraria meme ao viver a caricata e desesperada personagem-título de “Pearl“. Goth já não tinha mais nada a provar, mas conclui a trilogia “X” retornando à pele da ambiciosa final girl Maxine Minx apenas para não deixar dúvidas: ela realmente é uma estrela. Nesse contexto, não seria cabível nada menos que um final apoteótico para esse capítulo do cinema dos anos 2020, e é justamente isso que o cineasta Ti West entrega com “MaXXXine“. É isso também que Goth e suas personagens merecem, e não há ninguém melhor que Maxine com quem fazer isso, já que ela carrega não apenas os próprios sonhos e ambições, como também o legado de Pearl.

Após sobreviver aos acontecimentos de “X“, Maxine agora trabalha no submundo da indústria de filmes adultos em Los Angeles, e repete seu mantra sempre que possível: “Eu não aceitarei uma vida que eu não mereça”. Para ela, alcançar o estrelato em seus próprios termos não é um sonho, mas uma obsessão. A cidade não é acolhedora para quem não sabe o que quer, e enquanto colegas vão a festas procurando a pessoa certa para lhes tirar da obscuridade em que vivem, Maxine se joga no trabalho com tudo que tem, sem medo do que pode encontrar pela frente. Enquanto segue em busca de sua grande oportunidade em Hollywood, ela vai precisar confrontar seu passado e os perigos de um lugar implacável.

“MaXXXine” se inicia com uma frase da lenda Bette Davis: “Neste ramo, se você não for conhecida como um monstro, você não é uma estrela”. É o que dá o tom ao filme. Apesar de ser fácil cair em armadilhas e tropes do terror, Mia Goth nunca permitiu que suas personagens na trilogia “X” se acomodassem ou se tornassem estereótipos. É se amparando na máxima de Bette Davis que ela alça Maxine a um status quase de anti-heroína, alguém disposto a passar como um rolo compressor por cima de quem estiver em seu caminho. Não é como não torcer por Maxine, apesar de ser evidente que, em seu âmago, ela se encaixa na vida que quer justamente por ser um monstro.

Se em “X” o grande mérito de Ti West foi fazer muito com pouco, agora ele tem liberdade total para criar uma Los Angeles sombria e sangrenta nos mínimos detalhes, sem abrir mão da estética de filme de baixo custo. O salto mais evidente está no elenco coadjuvante, liderado por atuações impecáveis de Kevin Bacon e Elizabeth Debicki, cujas dinâmicas com a protagonista eleva ainda mais a performance de Mia Goth. Enquanto Bacon assume o posto de contraponto ao olhar sanguinário de Maxine, Debicki é intimidadora e inspiradora em medidas iguais.

É quase inevitável estabelecer um paralelo entre “MaXXXine” e outra carta de amor à indústria do cinema: “Era Uma Vez em Hollywood” de Quentin Tarantino. Ambos exploram o contraste entre fama e decadência com panos de fundos sangrentos e surpreendentes, mas a visão de Ti West parece mais atual e pertinente que a de Tarantino. Se a Los Angeles do segundo é ensolarada, a do primeiro é escura e encardida, transformando a cidade em um pesadelo de neon com atmosfera de filme B e sede de sangue. Ou seja, irresistível.

Julio Bardini
@juliob09

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