Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 16 de agosto de 2020

#RapaduraRecomenda – O Demolidor (1993): três conchas, dois brucutus e um divertido filme

Longa se tornou memorável não pela ação, mas pelo ótimo uso de humor no contraste entre uma Los Angeles suja e violenta comparada a um futuro estéril e tedioso.

A música “Demolition Man”, da banda The Police, inspirou o roteirista Peter M. Lenkov a criar uma história sobre um policial de Los Angeles (Sylvester Stallone) injustamente condenado pela morte de dezenas de reféns a ser congelado e reanimado no futuro como parte de um programa de reabilitação inovador. Seu nêmesis (Wesley Snipes) sofre o mesmo destino e ambos acordam no século seguinte onde a sociedade é bem diferente (e mais estéril) do que conheciam. O duelo entre os dois brucutus num cenário totalmente avesso à violência é a premissa de “O Demolidor”.

Lançado em 1993, o longa se tornou alvo de carinho dos fãs que nele enxergam a nostalgia da ação da década com a boa dose de comédia oferecida. Tal fama é justificada. Há várias qualidades que chamam a atenção na criação de mundo. Ele abre numa Los Angeles de 1996, onde o crime e a violência estão sem controle. A cidade é suja e ameaçadora, e é nela onde o espectador é apresentado ao protagonista, John Spartan, e o vilão, Simon Phoenix. Esta sequência serve não só para introduzir a rivalidade entre ambos, como também para mostrar a que o filme veio, tendo Stallone gritando o nome do inimigo enquanto salta de um helicóptero. Ação brega e deliciosa. Há de elogiar também que estas cenas são ótimo contraste com a San Angeles (fusão de San Diego e Los Angeles) do futuro, extremamente asséptica, pastel e agonizantemente calma.

Tal agonia vem do fato de que esse futuro parece ser bom demais para ser verdade. Logo se percebe que a sociedade deste tempo baniu esportes de contato, refeições variadas e até mesmo sexo e palavrões. Há uma leve alusão à figura do Big Brother, já que se alguém pronunciar um xingamento, um alarme é tocado seguido de um aviso de que o indivíduo foi multado (o que rende piadas excelentes). Não é de se impressionar que a força policial deste mundo não tenha a menor capacidade de lidar com um maníaco como Phoenix, que se torna o responsável pelos primeiros assassinatos em anos, forçando o departamento a descongelar o único que pode lidar com ele, Spartan.

O humor é um belo acerto. As reações dos brucutus do passado perante a aparente utopia do futuro rende os melhores momentos do filme. De descobrir que a música se resume a jingles do século anterior, que a única cadeia de restaurantes que existe é Taco Bell e a atemporal piada das três conchas, Stallone entrega uma veia cômica que poucas vezes acertou ao longo da carreira.

Sandra Bullock está no longa como uma entusiasta dos anos 1990, possuindo grande quantidade de souvenirs da época e altamente entediada com a sociedade em que vive. Ela faz a ponte entre Spartan e sua nova realidade, ao mesmo tempo que também entrega ótimas cenas de humor ao tentar soltar frases de efeito de filmes de ação da década que tanto gosta, mas sempre errando uma palavra ou outra que faz o efeito ser contrário. Sua cara plácida quando convida o protagonista para “transar” só faz o humor da cena crescer.

Entretanto, é um filme de ação, sem dúvida, e ela não é de grande destaque. Apesar de competente, o então estreante diretor Marco Brambilla deixa a câmera um pouco perto demais e impedindo maior imersão do espectador na adrenalina do momento. Tal posicionamento é, por vezes, até confuso sobre onde os personagens estão. É necessário dizer, porém, que seu comando do ritmo da trama é conciso e veloz, deixando a narrativa vertiginosamente agradável.

Quanto ao roteiro, se em alguns momentos faz bom uso do contraste oferecido, é simplório demais em outros. Nada de novo no mundo de filmes de ação de brucutus da época, mas jogar a informação de que Spartan possui uma filha e não explorá-la é fazer pouco caso de qualquer tipo de desenvolvimento de personagem. Phoenix é um antagonista extremamente unidimensional que só entretém porque Snipes claramente se diverte com o exagero da vilania do papel, trazendo uma energia que rouba as cenas em que aparece. O mérito vem de saber que tipo de obra pretende ser e nunca usar as discussões propostas de maneira séria, criando um tom que é consistentemente jocoso.

“O Demolidor” é uma típica produção de ação da década de 1990, que acerta ao brincar com seus próprios estereótipos e atores que abraçaram a proposta satírica da obra. Entretanto, o que o torna memorável anos depois não é a oferta de adrenalina, mas de humor bem dosado e contextualizado.

Bruno Passos
@passosnerds

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