Apesar do roteiro não ter envelhecido bem, o visual de Gotham, a direção inspirada de Tim Burton e a icônica interpretação de Jack Nicholson ainda fazem do primeiro longa-metragem do Batman uma obra divertida.
Batman é um dos super-heróis mais reconhecidos da cultura pop. Criado em 1939 por Bob Kane e Bill Finger, ele combate o crime em Gotham com suas habilidades múltiplas que vão de ninja a detetive. Sua primeira transição para uma mídia audiovisual foi com a série televisiva de 1966, com uma pegada cômica e colorida que conquistou uma geração. Já durante a década de 80, houve um revolução: os heróis das HQs começaram a ter histórias mais adultas e sombrias. Nesse período, foi desenvolvido o primeiro longa-metragem do homem-morcego, resultando num filme que abandonou o teor brega e inocente do passado. “Batman” foi um sucesso que abriu as portas para futuras adaptações e se tornou um marco na história do personagem.
O filme não escapou das polêmicas de inúmeras opiniões descontentes de fãs que achavam um absurdo sem tamanho que Michael Keaton (“Homem-Aranha: De Volta ao Lar”) tenha sido escalado. O ator vinha de trabalhos de comédia e os admiradores da nona arte queriam ver algo mais próximo da crueza madura de “O Cavaleiro das Trevas” de Frank Miller. Porém, Keaton acabou conquistando a maioria com o sucesso do longa. Interessante notar que foi o próprio ator que, ao discutir inúmeras ideias com o diretor Tim Burton (“Dumbo”) sobre como interpretar Batman e seu alter ego Bruce Wayne de maneira distinta, veio com a ideia de usar sua voz num tom mais grave quando estivesse com o uniforme, técnica que acabou se tornando marca registrada para as vindouras adaptações audiovisuais do personagem.
Para trazer essa abordagem mais sombria, a Warner Bros. contratou Tim Burton, que trouxe sua experiência e ideias de como deveria ser o visual do filme. Para trazer sua visão à vida, ele contratou Anton Furst, que havia trabalhado no desenho de produção do filme “A Companhia dos Lobos”, trabalho que impressionou e inspirou o diretor. Ambos exercitaram a ideia de criar uma Gotham opressiva, desoladora e melancólica, criando uma mistura de estilos arquitetônicos que vai do art déco ao gótico, sempre com tons escuros e cinzas resultando numa metrópole que cresceu desordenadamente. É um trunfo visual certeiro em auxiliar o roteiro narrativamente, imergindo o espectador naquele mundo desesperançoso e sem vida no qual os personagens se encontravam.
Outro ponto marcante do filme é sua música. Primeiro na contratação de Danny Elfman para a trilha sonora, que já havia colaborado com o diretor em outras duas ocasiões (e o faria novamente em vários outros projetos). Elfman acabou criando o tema de abertura do filme que virou outro símbolo do personagem, marcando toda uma geração assim como a música-tema da série de 66 o fez. O compositor teve importante papel na nova composição sombria do personagem. Há também canções de Prince que tocam em alguns momentos e, embora sejam legais, por vezes parecem deslocadas do resto da obra.
O roteiro não é um primor e definitivamente não envelheceu muito bem. Pouco se faz para explorar a alma torturada de Bruce Wayne, entregando um herói frio demais para que haja conexão com o público sobre seus fantasmas interiores. O envolvimento do comissário Gordon (Pat Hingle) é basicamente inútil para a trama, que não consegue manter o nível de urgência e tensão com êxito. O relacionamento entre Wayne e Vicky Vale (Kim Basinger) não convence pela falta de química e pela velocidade absurda com que acontece, resultando em cenas emocionalmente vazias. Sem contar que há alguns momentos em que o filme parece pausar a narrativa para poder mostrar uma cena legal do Batman usando seus apetrechos para derrubar um criminoso. São divertidas, não há dúvidas, mas mal encaixadas na trama. Curioso notar que o Batman deste filme mata criminosos. Anos mais tarde, isso geraria gigante polêmica na adaptação do herói em “Batman vs Superman – A Origem da Justiça”.
Onde o roteiro acerta é no Coringa. Único personagem do longa com um arco narrativo com peso relevante, o filme parece mais ser sobre ele do que sobre o herói, oferecendo não só uma trama melhor desenvolvida como até mais tempo de tela. Começando como o criminoso Jack Napier, ele tem uma clara visão de mundo: Gotham é indecente e quem não quiser viver ao redor de crime que se mude. Ao sofrer sua transformação física no início, ele mergulha mais ainda nessa perspectiva e tem Batman como seu arquirrival porque o herói quer acabar com esse aspecto de Gotham. O personagem é interpretado por Jack Nicholson (“Os Infiltrados”), num dos papéis mais icônicos de sua carreira. A maneira com que ele brinca com a loucura do vilão transmite não só um bufão, mas alguém capaz de violência e crueldade repentinas e sem a menor capacidade de se conectar com alguém num nível emocional. Não é exagero dizer que é o protagonista – o marketing promoveu bem o longa com o nome do ator, que fez exigências salariais levando para casa parte dos lucros de bilheteria.
“Batman” é um filme que adapta certos momentos quadrinísticos que parecem irreais demais, mas jamais deixam de ser divertidos. O roteiro não é bem polido, algumas situações são forçadas e alguns personagens são desperdiçados. Entretanto, Keaton trouxe o herói a vida com louvor e Nicholson entregou uma interpretação icônica de um dos maiores vilões da cultura pop. Sem contar que a direção de Burton, que usa luz e sombras com uma eficiência narrativa e estética magnífica, estava inspirada. Ele foi de vital importância para que esses inesquecíveis personagens perdurem no imaginário popular por tanto tempo.