Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 30 de julho de 2019

Parchís – O Documentário (Netflix, 2019): consequências do sucesso infantil

Produção reúne registros e relatos sobre os anos de sucesso do fenômeno Parchís, conjunto espanhol de cantores mirins que também conquistou a América Latina nos anos 80.

Poucos são os agraciados por uma carreira artística meteórica, de onde podem aproveitar os louros da fama e enriquecer com o sucesso. Estranho é ouvir o contrário e que essa vida é especialmente desgraçada quando se é criança. A produção NetflixParchís – O Documentário” relata o início e fim de um conjunto musical infantil formado na Espanha em 1979, mas que atingiu êxito monumental na América. A experiência dos europeus mostra que não havia limites e confirma que os anos 80 realmente não foram para principiantes.

Realizado por um documentarista especializado no terreno musical (Daniel Arasanz, “Beatz”), a obra se alimenta da onda nostálgica oitentista para responder duas perguntas: como foram os bastidores durante os anos de sucesso e turnês de Parchís e como estão os integrantes do conjunto hoje. A passagem dos pequenos espanhóis pelo Brasil não marcou tanto o mercado e a memória brasileira como o Menudo, seus concorrentes adolescentes porto-riquenhos. No entanto, a semelhança da fórmula do grupo infantil com projetos brasileiros que nasceram depois, como Trem da Alegria e a Turma do Balão Mágico, não é mera coincidência. O interesse no documentário nasce justamente como uma maneira de entender como a fama, a febre dos fãs e a falta de supervisão adulta responsável influenciaram a vida dos integrantes.

A criação de Parchís foi um projeto visionário de uma gravadora de discos espanhola, que viu o potencial de colocar crianças cantando na televisão para entreter outras crianças, demanda que teria sido estimulada pela recente explosão demográfica. O documentário não investe numa trama intrigante, não lança nenhuma isca narrativa para prender a atenção do espectador. A obra simplesmente começa pela formação da banda, apresentando os entrevistados de forma crua e montagem sem inspiração. É curioso ouvir abertamente dos produtores sobre seus objetivos e métodos, como os famosos “jabás” da televisão. O potencial de expansão do fenômeno musical e a ganância dos responsáveis levaram o grupo a expandir fronteiras, gravando filmes e preparando turnês internacionais.

A partir deste momento o documentário fica mais interessante e se aproveita das imagens melhor preservadas. São registros das turnês pelo México e América do Sul além de trechos dos filmes, todos gravados em película, logo com melhor qualidade fotográfica que fitas magnéticas. É onde há um pouco mais de sal e pimenta nas histórias também. Das discussões entre os pais e produtores, do desequilíbrio de poder e liderança no grupo, da falta de regras e controle, do despertar sexual dos integrantes, de brigas por dinheiro e das anedotas que estavam na memória dos envolvidos, inclusive de fãs sobre a época. São os assuntos recorrentes nas entrevistas individuais que direcionam a montagem das histórias. Funciona, mas não dá margem para uma voz autoral por trás do longa, que acaba se parecendo mais com um especial jornalístico que uma obra digna de festivais.

Há um reencontro morno ao final da produção, mas pelo menos o tempo em tela condiz com o conteúdo e a obra constrói um bom desfecho em relação a tudo que foi apresentado. Como diz um dos responsáveis por Parchís, o grupo não foi simplesmente um sucesso, foi um fenômeno social. As consequências são conhecidas como clichês: ninguém sabe para onde foram os frutos dos contratos e a infância dos pequenos artistas foi indiscutivelmente comprometida e prejudicada. Por outro lado, são relatos de experiências fantásticas vividas por poucos na história e poder acompanhar essas raras perspectivas na forma de documentário é no mínimo uma ótima oportunidade.

William Sousa
@williamsousa

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