O primeiro longa de Olivia Wilde como diretora redefine o gênero teen com novos valores da geração millennial, tons autorais e um elenco afinadíssimo.
A história do cinema é marcada por certas obras que se destacam como fenômenos dentro de seus gêneros. “Fora de Série” nasce em 2019 com um frescor sempre presente em tais fenômenos e, posicionando melhor esta comédia adolescente dentro do amplo conjunto de subtipos, seria mais uma trama de jovens nerds querendo transar antes da formatura do ensino médio se não fosse pelas vozes marcantes das mulheres por trás do roteiro e, excepcionalmente, da direção e do elenco reunido.
A atriz Olivia Wilde estreia como diretora para retratar a amizade de duas adolescentes no fim do high school americano quando decidem se jogar na última festa dos colegas e aproveitar tudo que não aproveitaram enquanto estavam preocupadas demais com o currículo escolar. Parece uma premissa banal de um subgênero já saturado de clichês (desde “Porky’s” e “Picardias Estudantis” nos anos 80 a “American Pie” na virada do século). Porém, antes de “Fora de Série” poucos filmes tentaram atualizar seus personagens para a geração dos millennials e nenhum trouxe até então um grupo de jovens tão distintos dos antigos estereótipos (populares, excluídos, vencedores, perdedores, atletas, nerds, brigões, patricinhas etc). A proposta de Wilde é justamente fugir desses papéis de uma nota só e deixar que seu elenco flua dentro da diversidade real. Como diz uma das protagonistas para a outra: “nós não somos unidimensionais”.
Falando nelas, Molly (Beanie Feldstein, “Lady Bird – A Hora de Voar”) é líder excepcional no colégio e tem grandes mulheres da história como ídolos modelos. Priorizando o estudo, todo sacrifício feito para garantir o ingresso a uma das melhores universidades deu certo, mas o mundo de Molly cai quando percebe que seus colegas também conseguiram entrar em boas faculdades sem ter que deixar de lado a vida social. Sua melhor amiga Amy (Kaitlyn Dever, “Querido Menino”) é ainda mais certinha e disciplinada. Ela não tem problemas em assumir atração por garotas até para os pais (Lisa Kudrow, da série “Friends”, e Will Forte, de “Nebraska”), mas ainda não teve nenhuma relação sexual com outra menina. Molly então convence Amy que elas devem aproveitar a última festa com os colegas da escola para compensar todos os anos “perdidos” e partem rumo à zoeira… na medida do possível.
A comparação com “Superbad – É Hoje” (2007) é inevitável, tanto pela premissa semelhante de uma hilária experiência na transição do ensino médio para a faculdade, quanto pelos protagonistas de ambas produções – Beanie Feldstein e Jonah Hill são irmãos na vida real. No entanto, Wilde traz para “Fora de Série” um tom particular para o humor. Primeiro, ela não se apoia em jogos cruéis de poder e subjugação, como muitas comédias do passado fizeram, para criar situações cômicas a partir de constrangimento e difamação. A diretora também não trabalha o antagonismo em nenhum dos seus personagens. Por si só, esses elementos já distanciam sua obra dos clichês, mas o maior dos trunfos vem com o elenco produzido por Allison Jones, que trabalhou em outros filmes do gênero como “Anos 90”. Allison ganha destaque nos créditos justamente por ter sido a responsável por encontrar o grupo de atores coadjuvantes de personalidades tão ímpares e carismáticas que marcam o longa ao lado das protagonistas. Em especial, Molly e Amy têm uma ótima química juntas, marcada pela maneira que uma suporta a outra em todos os momentos.
Voltando ao toque da direção, as cenas cômicas são um tom acima do realismo, mas com consistência, como nas sequências do barco, das bonecas animadas em stop motion e da fantasia de Molly ao chegar na festa. Momentos como esses somados à divertida construção dos papéis principais, com aspectos que surgem inesperadamente, destacam a obra de Olivia em comparação a outras comédias contemporâneas dirigidas por mulheres como “Não Vai Dar”, “Lady Bird – A Hora de Voar” e “Quase 18”. Nas cenas mais dramáticas, o trabalho de câmera se destaca, como na sequência da piscina que prossegue em steadycam até um confronto sem cortes que enquadra o que acontece ao fundo do diálogo com tanta importância para a cena quanto a discussão em si. Neste aspecto formal e técnico, inclusive pelo bom uso de trilhas musicais e pela representação íntima e autêntica da adolescência feminina, “Fora de Série” pode ser visto em sessão dupla ao lado do excelente “Oitava Série” (2018) de Bo Burnham.
No meio de tanto acerto, a montagem do filme se torna o elo fraco e engasga um pouco no ritmo em direção ao desfecho. Os personagens adultos também tendem a aparecer repetidamente na posição de motoristas e algumas atitudes das protagonistas não são compatíveis com a inteligência que elas teriam, porém, são detalhes que nada comprometem o clima leve, criativo, engraçado e cheio de charme. “Fora de Série” demonstra que um gênero já bem explorado pelo cinema pode ser revisitado e atualizado com novas perspectivas, neste caso, de brilhantes mentes femininas, mantendo o frescor e construindo um retrato fidedigno da geração de adolescentes millennials.