Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 25 de abril de 2019

Rainha de Katwe (2016): vencendo com humildade

A história real da enxadrista Phiona Mutesi reafirma o valor do esporte para o indivíduo e o reflexo da superação no cunho social.

Phiona Mutesi é uma jovem de Katwe, uma pequena área da cidade de Kampala, capital da Uganda. Com apenas 14 anos, ela tornou-se uma Candidata a Mestre de Xadrez após seu desempenho nas Olimpíadas de Xadrez de 2010. No filme, ela é interpretada pela iniciante Madina Nalwanga, que também foi descoberta em Katwe pela equipe de produção. Por essa grata ligação, o tabuleiro de “Rainha de Katwe” está armado para um drama denso e gratificante que só o cinema é capaz de transmitir – embora seja baseado no livro homônimo de Tim Crothers.    

Longe de buscar a catarse do esporte por meio da competição como em “O Dono do Jogo” de Edward Zwick (sobre o grande campeão Bobby Fischer), aqui a diretora Mira Nair (“Amelia”) opta pela pureza do drama, apresentando o primeiro contato de Mutesi com o xadrez e intercalando a condução da narrativa com a sofrida realidade da família. A produção se mostra tão inspirada que fez questão de rodar as cenas nos bairros de Katwe e em Joanesburgo, na África do Sul. Ela acerta tanto no desenvolvimento dos personagens quanto na retratação do esporte.

Órfã de pai e moradora de uma região pobre, Mutesi foi obrigada a largar a escola pelo alto empobrecimento da família para ajudar a mãe (Lupita Nyong’o, “Nós”) a vender milho na rua e cuidar dos irmãos. Ali no bairro, o bondoso professor Robert Katende (David Oyelowo, “Um Reino Unido”) desenvolve um projeto de xadrez voltado para crianças carentes. Quem primeiro começa a praticar o esporte é o irmão mais novo Mugabi Brian (Martin Kabanza), logo a garota fica curiosa e quebra sua timidez para frequentar as aulas.

Em pouco tempo a jovem revela um talento nato para aprender e fazer combinações ousadas no tabuleiro, isso inevitavelmente acaba chamando a atenção de Robert. O professor vê o potencial de Mutesi e começa a incentivá-la, não somente no xadrez, mas a aprender a ler e escrever com a ajuda de sua esposa Sara (Esther Tebandeke, “Her Broken Shadow”). Devido às dificuldades, a mãe desenvolveu um exagerado instinto protetor e resiste em deixá-los praticar o esporte. Porém, ao observar a diferença de comportamento da protagonista com a irmã rebelde Night (Taryn Kyaze), a mãe começa a se abrir e confiar no professor.

A jovem prodígio passa a respirar xadrez. Em dado momento ela se torna autodidata pela incapacidade de Robert ou de algum outro aluno treinar de igual para igual com ela. Com muito esforço, o professor consegue levá-los de um torneio a outro, e a naturalidade com que a jogadora evoluí é surpreendente. Suas conquistas não são pessoais – ela se torna uma heroína símbolo de esperança para o povo. E a sensibilidade com que o filme balanceia os percalços da família com a superação no esporte coloca essa retratação no mesmo patamar que grandes cinebiografias.

Assistir à Rainha de Katweeleva o espírito tanto de amantes do xadrez quanto do cinema. Ao acreditar na simplicidade da realidade, a direção se aprofunda nos sentimentos mais profundos que motivam uma pessoa a superar as derrotas e acreditar em si. As atuações são verdadeiras e o roteiro é objetivo quando ressalta mais as chegadas de Mutesi em Katwe do que as partidas, pois são os valores que mantêm a família unida. Mais do que uma bela homenagem à cultura de Uganda, o filme é uma celebração à humildade de Phiona Mutesi. Que vire exemplo retratar pessoas extraordinárias enquanto vivas.

Jefferson José
@JeffersonJose_M

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