Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 27 de março de 2019

Escobar – A Traição (2017): made in USA

Inchada e sem dizer a que veio, essa tentativa de abordagem mais intimista à vida de Pablo Escobar termina sendo mais uma história genérica destinada ao esquecimento.

Pablo Escobar. Nome de uma figura complexa que, pelo menos num período de cinco anos, entre 2012 e 2017, teve sua vida contada e recontada por meio de filmes e séries, sob vários pontos de vistas. O fetiche pela fascinante e sangrenta história desse homem começa com a série “Pablo Escobar: O Senhor do Tráfico” (com o colombiano Andrés Parra no papel principal), em seguida pelo filme “Escobar: Paraíso Perdido” (neste, o porto-riquenho Benicio Del Toro é o narcotraficante), depois disso com a série “Narcos”, que mostrou ao mundo o talento do brasileiro Wagner Moura. Pouco tempo depois surgiu “Conexão Escobar”, que coloca Bryan Cranston na pele de um oficial americano infiltrado no esquema do narco. Muitos relatos, cada um com a sua verdade, que ganham mais um olhar de alguém que esteve bem próximo do “Rei da Cocaína”. “Escobar: A Traição” indica um tratamento distinto, apostando no testemunho de um caso amoroso, mas não se engane! Você já viu essa história com outros personagens.

Inspirada por eventos reais descritos no livro “Amando Pablo, Odiando Escobar”, a trama narra os momentos marcantes da vida do narcotraficante mais famoso da Colômbia do ponto de vista de sua antiga amante, Virginia Vallejo, jornalista, modelo e uma das apresentadoras de TV mais importantes do país, que viu sua popularidade decair depois do seu relacionamento tóxico com o chefão do Cartel de Medellín. Prejudicada pelo desenvolvimento acelerado – nem mesmo as duas horas de projeção são suficientes para contar tantos fatos – e um roteiro raso e repleto de elipses escrito por Fernando León de Aranoa (“Um Dia Perfeito”) cujo objetivo é apenas focar nos melhores momentos do protagonista, a narrativa em nada acrescenta, quiçá empolga. Para aqueles então que assistiram às duas primeiras temporadas de “Narcos” (altamente recomendáveis), nota-se aqui a ausência de detalhes cruciais para que se estabeleça um vínculo emocional entre personagens e público.

Embora o roteiro seja problemático e a narrativa super inchada, o que causa mais estranheza, da primeira à última cena, é a escolha do idioma. Falado inteiramente em inglês, salvo algumas gírias e palavrões, a produção espanhola filmada na Colômbia e com o suporte do elenco local incomoda e, de certa maneira, ofende o público que não vê aquilo como algo original, mas sim made in USA. Soma-se a isso o envolvimento do casal de atores Javier Bardem (“Todos Já Sabem”) e Penélope Cruz (“Assassinato no Expresso do Oriente“), ambos espanhóis, que no máximo podem implementar um sotaque latino na língua inglesa. Está claro que trata-se de uma decisão baseada em números e aceitação do mercado (dizer que o intuito é aproximar os americanos da figura de Escobar não cola), como o próprio Bardem disse durante o lançamento. A emoção está lá, independente do idioma, ainda que sabotada pela lei de mercado e a forma como os filmes são consumidos.

Escolhas equivocadas e conflitos no roteiro à parte, se serve de consolo para a audiência, a narrativa conta com atuações notáveis de Bardem e Penélope Cruz. Mesmo atuando em uma trama pensada para sua personagem, mas que na verdade a coloca como coadjuvante, a atriz usa todo o seu talento para transformar Virginia Vallejo numa mulher de sentimentos mistos, como se refere o próprio título do livro no qual o filme é baseado. E se não nos preocupamos com as causas de suas ações, ao menos ansiamos por vê-la dividir a tela com o Pablo Escobar de Bardem, esse o verdadeiro protagonista e força motriz do filme. Qualquer um sabe que mesmo se Javier interpretar uma pedra, ele vai chamar a atenção da mídia e concorrer a alguns prêmios. O que dizer dele como Escobar então. Aqui, o ator usa toda a sua expressividade facial, o olhar sádico e a postura corporal tortuosa para evocar um ser apavorante, imprevisível, violento e também devoto à família.

A direção do filme, também creditada a Fernando León de Aranoa, fica devendo quando a ação pede mais energia e urgência. Convencional e passiva, acaba acertando em situações que pedem mais observação por parte do público, por exemplo, durante os diálogos, por vezes, expositivos na maior parte do tempo. A narração em off de Penélope Cruz, cuja função é firmar com sua voz suave uma relação de cumplicidade com quem está assistindo, não oferece emoção e não acrescenta nada em termos de narrativa, demonstrando-se dispensável e frequentemente dispersa. No embalo de tantos relatos envolvendo o demônio que é seu personagem principal, “Escobar – A Traição” vem apenas para promover mais uma excelente atuação de Bardem e sequências isoladas de puro terror, pouco perto de uma história tão rica. Sem nenhuma novidade interessante e um romance central insosso, o longa acaba da mesma maneira que o império de seu vilão: em pó.

Renato Caliman
@renato_caliman

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