Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

The Good Place (3ª Temporada): muito mais do que uma sitcom [SÉRIE]

Com personagens ricos em camadas e atores com excelente timing cômico, a série criada por Michael Schur continua discorrendo sobre as qualidades e defeitos dos humanos e da sociedade.

Em 2016, Michael Schur (um dos criadores da ótima “Brooklyn 99”) lançou sua nova série de comédia fantástica “The Good Place”, que foca no quarteto formado por Eleanor Shellstrop (Kristen Bell), Chidi Anagonye (William Jackson Harper), Tahani Al-Jamil (Jameela Jamil) e Jason Mendoza (Manny Jacinto), todos recém-falecidos, e suas aventuras na vida após a morte para tentarem ir para o Lugar Bom, mesmo que tenham originalmente sido designados para o Lugar Ruim. Durante a segunda temporada, eles conseguiram a ajuda genuína do demônio Michael (Ted Danson) e a inteligência artificial Janet (D’Arcy Carden).

A temporada começa dando continuidade ao cliffhanger do final da anterior, onde a juíza interdimensional e imparcial Gen (a hilária Maya Rudolph) dá ao grupo principal a chance de retornarem para a Terra logo após o ponto de suas mortes e sem suas memórias para, assim, se provarem pessoas de boa índole e levarem uma vida sendo bons, tudo na esperança de conseguirem uma vaga no Lugar Bom.

Em suas aventuras (ou desventuras) na Terra, a série entrega o que tem de melhor desde o começo: comédia rica. É uma obra que se destaca, desde o início, por muito mais do que apenas ser engraçada. Ao literalmente discutir moral, ética e o que é necessário para ser uma pessoa boa, e jogar personagens com óbvias – mas distintas – falhas de caráter em situações onde são testados, Schur criou momentos cheios de diálogos sagazes. As falas podem até parecer niilistas em alguns momentos, pois as críticas aos seres humanos e à sociedade em que vivemos são grandes, mas conseguem também transmitir uma bela mensagem de esperança e que inspira sua plateia a querer melhorar. É um feito incrível conseguir balancear todas essas camadas ao mesmo tempo e lidar com o que, no final das contas, são seis (!) personagens principais. E é ainda mais impressionante alcançar esse objetivo em temporadas curtas, com 13 episódios pequenos, cada um com pouco mais de vinte minutos.

Sem contar que a série é tecnicamente bem acima da média ao se tratar de sitcoms, o “outro mundo” em seus vários departamentos é variado e cheio de ótimas metáforas visuais. A área da contabilidade é uma ótima alegoria para alfinetar a desnecessária burocracia com a qual convivemos. A direção de arte traz ambientes limpos, assépticos, um lugar onde tudo parece milimetricamente calculado. Os figurinos retratam as personalidades dos personagens, e os efeitos especiais são astuciosamente escondidos.

Além de tudo, o elenco brilha. A química entre todos é palpável e funciona em todos os níveis. Bell é ótima como a insegura Eleanor, que começa a série não se importando com ninguém, mas que vai não só revelando camadas de sentimentos mal resolvidos, como também evolui ao longo da série; Harper é um poço de indecisões que está sempre angustiado e luta com sua ansiedade; Jamil parece a socialite intocável e perfeita, mas carrega grande inveja dentro de si alimentada pelo sentimento de rejeição que tinha dos pais; Jacinto faz o estúpido Jason, que na sua simplicidade parece não estar consciente de dores emocionais que, não se engane, estão lá; Carden faz uma ótima transição do computador vivo de expressão única que é ao ser que começa a ter que lidar com emoções desconhecidas; e Danson é veterano de comédias e mais um ótimo exemplo de boa escalação. Agora misture todos esses elementos de cada personagem com um texto preciso e performances inspiradas e temos aí personagens vivos, reais e críveis, com muito a ser explorado. Há grande mérito aqui em discorrer sobre tantos elementos numa narrativa cômica e leve, mas nada rasa.

A terceira temporada de “The Good Place” não deixa a peteca cair e mantém a qualidade das duas primeiras. Com um elenco afiado e de ótimo timing cômico, é admirável uma obra conseguir levar seu público a profundas autoanálises ao mesmo tempo em que diverte e faz rir. Definitivamente, uma das séries mais bem sacadas do século XXI.

Bruno Passos
@passosnerds

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