Sem seguir fórmulas de histórias sobre sexo, o filme enfileira gargalhadas ao acompanhar pais tentando impedir que as filhas transem na noite de formatura.
Três amigas decidem perder a virgindade na noite de formatura do colégio. Esse é o mote central de “Não Vai Dar”, que teria à sua disposição todos os elementos para ser um filme de comédia escrachada adolescente: jovens querendo sexo, drogas, álcool e confusões. No entanto, evitando ser mais um entre muitos, o longa dirigido pela estreante Kay Cannon (roteirista da trilogia “A Escolha Perfeita”) escolhe seguir um ângulo alternativo: as trapalhadas dos pais das meninas tentando impedir que elas cheguem aos finalmente, só não necessariamente pelos mesmos motivos.
Lisa (Leslie Mann, “Bem-vindo aos 40”), Mitchel (John Cena, “Bumblebee”) e Hunter (Ike Barinholtz, “Esquadrão Suicida”) são os orgulhosos pais babões de suas meninas, que cresceram juntas numa escola do subúrbio americano de classe média. Lisa é mãe solteira de Julie (Kathryn Newton, “Três Anúncios Para um Crime”), que está prestes a decidir para qual universidade ir. Para o desespero de Lisa, o namorado de Julie passou para uma escola do outro lado do país, mas ela quer que a filha continue perto dela. Já Mitchel é o estereótipo do homem médio boçal, que valoriza o seu tipo de masculinidade como único e não vê a filha Kayla (Geraldine Viswanathan, “O Pacote”) como um ser sexuado. Por último, Hunter é o indesejado pai ausente de Sam (Gideon Adlon, da série “The Society”), mas que aparece para garantir que a filha tenha a melhor noite da vida dela.
Seguindo o clichê desse gênero de filme, os três personagens adultos seriam os chatos antagonistas no caminho da diversão das adolescentes, mas aqui a direção para eles é outra. Leslie, Ike e especialmente John roubando a “Cena” (trocadilho irresistível) carregam a comédia nas costas e fazem de “Não Vai Dar” uma das obras mais engraçadas de 2018, ao lado de “A Noite do Jogo”, “A Morte de Stalin” e “Podres de Ricos”. Para mérito do longa, o trio de meninas também é carismático (e muito mais bem resolvido que os pais). Elas são exemplos de garotas que fogem de uma expectativa antiquada sobre como meninas devem se comportar, exercitando muito bem o avanço da mais recente onda do feminismo.
A propósito, é bom pontuar que a obra não chega a vestir o papel de sátira para o conflito de gerações, apesar de ser fonte para muitas piadas durante o filme. O roteiro inclusive oferece aos pais motivos questionáveis, porém humanos para, de certa maneira, legitimar a louca perseguição pela cidade. Por trás da camada opressiva de Mitchel e do egoísmo de Lisa está o medo de perder a significância para as filhas únicas. Hunter ainda tem uma motivação nobre para impedir que Sam transe com um homem. Sensível, ele sabe que a filha tem inclinações homossexuais e tem medo de que o pacto que ela fez com as amigas a leve para uma experiência ruim no que deveria ser uma noite inesquecível.
Por outro lado, “Não Vai Dar” tem sim uma intenção de subverter clichês ao mesmo tempo que faz o público chorar de rir. Há um clima de amizade entre Lisa e Mitchel que poderia facilmente escorregar para o romance. O filme permite que eles sejam frágeis um com o outro sem cair na tentação de armar uma tensão sexual. O personagem de Mitchel é forte e bonitão, mas ao mesmo tempo é emotivo, chorão e se deixa ser alvo das piadas mais comprometedoras. Fugindo do padrão já mencionado, o papel dos pais é humanizado e tem os próprios hábitos sexuais discutidos com franqueza. Apesar de adultos, seus conflitos mais se aproximam da imaturidade adolescente que os das filhas. E falando nelas, Julie e o namorado, que conversa com os pais abertamente sobre sexo, só querem ter uma romântica e bem planejada primeira vez. Kayla não supervaloriza o ato e Sam sabe exatamente o que significa sua decisão perante sua sexualidade. Por último, quebrando a talvez maior expectativa do gênero, os corpos femininos não são explorados pela câmera nem pelo figurino. É o nu masculino que mais aparece, e mesmo assim também não é sexualizado.
Com base na cultura dos EUA, o que representam as noites de formatura, a saída dos filhos para a universidade, a liberdade sexual e as expectativas da vida adulta para os norte-americanos não é exatamente o mesmo cotidiano dos brasileiros. Porém, a quantidade de obras audiovisuais sobre o estilo de vida deles que chegam mundo afora é tanta que as diferenças culturais não comprometem o entendimento do espectador acostumado. Com bastante empatia e segurança no tom do humor, “Não Vai Dar” prova que nenhum dos clichês comuns ao gênero é necessário para se fazer uma ótima, inteligente, chocante e hilária comédia.