Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 05 de dezembro de 2018

Feministas: O Que Elas Estavam Pensando? (2018): relatos da luta por igualdade

A obra mostra como um livro feito há 40 anos conseguiu registrar uma nova mulher e como as mulheres presentes nesse livro, e diversas outras, se relacionam com o feminismo.

Cynthia MacAdams publicou o livro de fotografias “Emergence” (algo como emersão ou surgimento, em português) com retratos em preto e branco de mulheres que fizeram parte do movimento feminista nos EUA dos anos 1970. A obra reúne personalidades da arte e cultura, como professoras, poetisas, atrizes, artistas plásticas e escritoras que lutaram por seus direitos, liberdade e espaço na sociedade. “Feministas: O Que Elas Estavam Pensando?”, dirigido por Johanna Demetrakas (“Crazy Wisdom: The Life & Times of Chogyam Trungpa Rinpoche”), trata de mostrar essas mulheres, e outras tantas, 40 anos depois.

O intuito do filme é trazer o ponto de vista daquelas que viveram e fizeram parte da chamada “segunda onda do feminismo”, travando batalhas pela igualdade de salários e pelo domínio de seus próprios corpos. A princípio as convidadas estiveram presentes no livro “Emergence”, mas o leque de personagens vai se abrindo ao longo da projeção para apresentar outras visões complementares. Os temas discutidos vão de trabalho e maternidade, até casamento e sexualidade.

Ao não se aprofundar exatamente em nenhum assunto, a obra acaba por se tornar um material intermediário que não funciona muito bem como uma introdução ao movimento para o público leigo, nem traz muito conteúdo novo para quem é mais inteirado. O filme perde por não definir sua plateia.

“Para aqueles que acham que o movimento da liberação feminina é uma piada, conectado vagamente a sutiãs queimados e entrar em bares masculinos, eu os confronto dessa noção. Trata-se de igualdade de salários e de oportunidade no mercado de trabalho”, sintetiza a deputada federal Shirley Chisholm em um dos registros coletados. Estranhamente, o trecho em questão, que poderia servir bem como uma introdução ao filme e ao que seria a luta da “segunda onda do feminismo” nas décadas de 60 e 70, foi incluído somente em seu terço final. Há também citações das sufragistas, que fizeram parte da primeira onda do feminismo ao lutar pelo direito ao voto, que são apenas mencionadas sem nenhum contexto.

Por outro lado, as histórias que “Feministas: O Que Elas Estavam Pensando?” expõe são poderosíssimas. Michelle Phillips, atriz e vocalista do “The Mamas and the Papas”, fala sobre como foi entrar na banda, virar uma celebridade e também de sua saída conturbada do grupo. Lily Tomlin (da série “Grace and Frankie”) exemplifica como as mulheres eram tidas como meros objetos de desejo masculino. E Phyllis Chesler, autora do sucesso “Women and Madness” (Mulheres e Loucura, em português) pontua o que teve que enfrentar ao decidir conciliar seu trabalho como professora, seus livros e a maternidade.

Não faltam relatos ora surpreendentes, ora assustadores, do que as entrevistadas tiveram que passar para apenas poderem realizar seus trabalhos. Dificuldades essas que os homens não tiveram e não terão por estarem em uma posição privilegiada já há alguns séculos. Isso ajuda a abrir um pouco os horizontes de quem está assistindo ao filme de Johanna Demetrakas.

As filmagens ocorreram na Galeria Steven Kasher, onde uma exposição com as fotografias de Cynthia MacAdams foi montada em 2010, mas também parecem ter sido feitas em outros locais que lembram museus com suas paredes brancas e iluminação clara, e isso torna as gravações das histórias performances artísticas por si só. É como se cada uma das entrevistas fosse uma palestra ou uma aula sobre a vida daquelas mulheres e sobre o feminismo.

Outro ponto importante que merece destaque é o fato de que em diversos depoimentos há manequins femininos nus no fundo das cenas. As peças com corpo feminino e nenhuma vestimenta criam um paralelo com as fotografias de “Emergence”, onde há nudez feminina que coloca as mulheres como donas de seus corpos, e também se relacionam com os depoimentos, pois eles são tão verdadeiros que desnudam as artistas das imposições e preconceitos da sociedade, permitindo a elas revelarem quem realmente são.

É interessante notar que o filme também traz os posicionamentos de mulheres jovens, até para não correr o risco de ser apenas uma visita ao passado das artistas, presentes no livro de MacAdams. Funmilola Fagbamila, por exemplo, é uma ativista afro-americana, professora na Universidade do Estado da Califórnia, em Los Angeles, e membro do movimento “Black Lives Matter” (Vidas Negras Importam, em português). A presença de Fagbamila é importante porque acrescenta um olhar de quem está hoje lidando com o feminismo ao mesmo tempo em que discute o racismo. Ela comenta como o termo feminismo é visto como um palavrão por parte da sociedade, o que mostra que o movimento está longe de acabar.

Hiago Leal
@rapadura

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