A continuação aprofunda temas, traz excelentes atuações e as boas (ótimas) e velhas músicas do quarteto sueco.
O sucesso do longa “Mamma Mia!” (2008) não pode ser considerado uma surpresa. Baseado em um musical de imenso êxito da Broadway, que por sua vez é baseado nas canções do grupo sueco ABBA, a obra chegou carregada de expectativas que foram supridas em praticamente todos os quesitos. Uma das maiores curiosidades causadas pela obra, era sobre a qualidade das performances de atores e atrizes consagrados soltando as suas vozes ao som dos icônicos clássicos setentistas. Isso soou tão natural e tão bonito que não eram raros os relatos de salas de cinema lotadas, com toda a plateia cantando junto com os protagonistas. “Mamma Mia! Lá Vamos Nós de Novo” não traz este mesmo interesse, o que não é mais necessário, já que trata-se de um filme que continua e honra brilhantemente o original.
Trazendo concomitantemente a história de duas personagens, em tempos diferentes, acompanhamos a chegada da jovem Donna (Lily James, de “Em Ritmo de Fuga”) na paradisíaca ilha grega em que se passa a trama, ao mesmo tempo em que seguimos a sua filha Sophie, alguns anos após os acontecimentos do primeiro longa, aprontando a festa de inauguração do hotel construído por sua mãe. As narrativas das duas se cruzam quando seus destinos ganham contornos e situações extremamente semelhantes.
O longa, apesar da leveza que pretende expor em sua primeira camada, traz diversas discussões sobre maternidade, legado e amor próprio. Donna, que é seguidamente desprezada por sua mãe Ruby Sheridan (Cher, de “Burlesque”), tenta encontrar sua própria voz através da tentativa e erro, mesmo que não os antecipe e sofra de verdade quando eles acontecem. Lutando para sobreviver, a garota constrói um legado de humanidade tão grande, que parece ser um peso para sua progênita anos depois. Sofie, sua filha, aparenta continuar abdicando de sua vida própria para “pagar” a divida de gratidão eterna que pensa existir entre ela e sua mãe. Somente aos poucos a garota entende que Donna só viveu como pôde, procurando sempre a felicidade, algo que vai aprendendo ao longo do filme.
É claro que todos estes “ensinamentos” são colocados de maneira descontraída e até divertida durante o longa, afinal a maioria deles são representados, mais uma vez, através das letras das canções do ABBA. Voltam algumas consagradas composições como Dancing Queen, Waterloo, The Name of the Game e claro, Mamma Mia, todas com pequenas alterações nos arranjos, novos intérpretes e o melhor, ganhando novos significados e mais profundidade. Novas músicas, algumas até não tão conhecidas do grupo, trazem o frescor que o filme necessita, ao mesmo tempo que ajudam a explorar as personagens. Uma cena em específico, envolvendo My love, my life, é de despedaçar o coração.
O elenco é, de novo, o grande destaque do longa. Lily James está simplesmente espetacular como a versão jovem da personagem de Meryl Streep, igualmente sublime, apesar de aparecer pouco. Ela tem um carisma no olhar e no sorriso que poucas atrizes possuem, além de cantar muito bem. James só não domina completamente a obra porque Amanda Seyfried dá conta do recado e segura muito bem a sua metade da história. Ela traz novas camadas à sua Sofie e faz com que aquela menina meio mimada do primeiro filme dê espaço para uma mulher em dúvida sobre sua vida e suas escolhas. Apesar da alegria com a volta de todo o elenco da produção anterior, a escolha dos atores que fazem as versões jovens dos três pais de Sofie, Harry (Hugh Skinner, de “Star Wars: Os Últimos Jedi “), Bill (Josh Dylan, de “Aliados”) e Sam (Jeremy Irvine, “Stonewall: Onde o Orgulho Começou”) não foi tão feliz assim, já que apesar de cantarem razoavelmente, suas interpretações são pra lá de pífias.
O diretor Ol Parker (“Agora e Para Sempre”), que juntamente com Richard Curtis (“Questão de Tempo”) e Catherine Johnson (“Mamma Mia!”), também escreveu o roteiro, traz um verniz mais cinematográfico para a franquia, construindo boas cenas e não apenas transportando o esquema do teatro para as telas, como no longa anterior. Apesar do uso exagerado de cenários digitais, o que tira um pouco da “magia grega” da obra, a sua participação é mais efetiva em tornar tudo mais coeso e menos forçado. Um destaque visível no trabalho do diretor é a criação da cena musical envolvendo Waterloo, com boas coreografias, cortes rápidos e muita graça. Já no roteiro, é aparente a mão de Curtis e sua maneira agridoce de contar histórias. Tudo é muito bonito e triste ao mesmo tempo, algo que apela imediatamente para a emoção e o coração da plateia.
“Mamma Mia! Lá Vamos Nós de Novo” não é o caça-níqueis raso que poderia ser. Apesar de tropeçar algumas vezes no curto lore da franquia e basicamente contar a mesma história do primeiro, é um longa que expande o interior dos personagens e faz com que nos importemos ainda mais com eles. E se já é um prazer passar duas horas ouvindo música de boa qualidade, com muito valor de produção, boas interpretações e uma bonita narrativa para testemunhar, o que dizer então da alegria proporcionada pelo momento em que temos a diva Cher e Andy Garcia (“Do Jeito que Elas Querem”) cantando Fernando juntos?