Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 17 de julho de 2018

A Noite do Jogo (2018): brincando de fazer comédia

Um dos melhores filmes recentes do gênero, o longa aposta em despretensão, inteligência e diversão.

Talvez por se tratar de uma das categorias mais intrinsecamente ligadas à origem do cinema, a comédia acaba sofrendo com duas dificuldades complicadas de se resolver: a diluição do gênero e a falta de originalidade dos longas. Enquanto o primeiro problema eleva a quantidade de obras concorrentes, visto que praticamente todo blockbuster atual parece ter como obrigação a presença do humor, o segundo acaba empobrecendo as produções, sempre deixando aquela sensação de “já vi isso em algum lugar”. “A Noite do Jogo” acaba surpreendendo por driblar esses contratempos de forma magistral, entendendo, mesclando e reutilizando outros gêneros para criar um thriller de comédia excepcional.

A narrativa já mostra sua dinâmica ágil logo na primeira sequência, ao mostrar as personalidades competitivas de Annie (Rachel McAdams, “Desobediência”) e Max (Jason Bateman, “A Última Ressaca do Ano”), e como essa semelhança resultou no matrimônio deles. Mesmo depois de casados, a dupla mantém seus espíritos competidores alimentados ao prepararem noites com muitos jogos e disputas para seus amigos. É gratificante ver que o roteiro não perde tempo construindo toda uma história de amor sem relevância para a trama principal. Revelando como será o tom da obra inteira, apenas o necessário é mostrado em tela, decisão fundamental para manter o espectador sempre ligado nas ações empolgantes e no texto acelerado dos personagens.

Pouco antes da intriga principal realmente tomar forma, ainda dá tempo de sermos apresentados a um personagem fantástico do longa: o sinistro oficial Gary, vivido de forma sensacional pelo ator Jesse Plemons (“The Post – A Guerra Secreta”). Excluído das noitadas após seu divórcio com uma das amigas do grupo principal, o policial traz um contraponto divertidíssimo através de sua personalidade assustadora, nos deixando tão desconfortáveis que acabamos “rindo de nervoso”. Além de sua importância para a narrativa principal, a figura ainda é essencial para o flerte (ou bem mais que isso) que os diretores John Francis Daley e Jonathan Goldstein (ambos de “Férias Frustradas”) fazem com o “terrir”, trazendo ainda outras homenagens ao gênero durante os 100 minutos de duração do filme.

O longa começa a mostrar sua verdadeira face após a chegada de Brooks (Kyle Chandler, “Manchester À Beira-Mar”), irmão mais velho de Max que o assombra por nunca ter perdido uma única disputa para o caçula. Após um ano sem se verem, Brooks decide promover uma noite de jogos que será lembrada para sempre. Para isso, o bem-sucedido irmão contrata uma empresa especializada em encenações ultrarrealistas – no caso, um sequestro -, onde a missão do grupo será desvendar o mistério e resgatar a vítima ainda desconhecida. Além da sequência muito bem encaixada de ideias, fáceis de entender e, por se tratar de uma comédia, de aceitar, a obra começa sua “brincadeira” com o público ao nos colocar no mesmo âmbito dos protagonistas e nos deixar inseguros sobre o que é, de fato, real.

Apesar de alguns equívocos no roteiro, como as discussões repetitivas entre o casal Kevin (Lamorne Morris, “Sandy Wexler”) e Michelle (Kylie Bunbury, da série “Under the Dome”), ou a subtrama fracamente explorada do desejo de Annie ter filhos, “A Noite do Jogo” é uma grata e agradável surpresa de um gênero que vinha sofrendo bastante com as últimas produções hollywoodianas. Diferente da leveza dos filmes “para toda a família”, esta é uma comédia no sentido mais original da palavra, recheada de referências e com o equilíbrio perfeito entre a necessidade da atenção do público para tiradas inteligentes e a pura apreciação de cenas humorísticas. Uma ótima jogada!

Martinho Neto
@omeninomartinho

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