Com um tema sério, abordado de forma criativa e heterogênea, o longa é uma bela analogia sobre o livre arbítrio feminino e ao bestial sentimento de culpa atribuída a ele.
“Colossal” é um filme de camadas. À primeira vista, trata-se de uma comédia dramática sobre uma garota que não consegue lidar consigo e que possui uma “cópia” monstruosamente gigante de sua persona desestruturada atacando o outro lado do mundo. Porém, adentrando em suas demãos, percebe-se que os temas do longa são sérios e convergem para um assunto muito em voga nos dias de hoje: como a mulher se vê na sociedade atual e como ela é vista (julgada).
O plot, tão simples quanto bizarro, é uma alegoria muito bem criada pelo roteirista e diretor espanhol Nacho Vigalondo (“Perseguição Virtual”) para despistar e envolver o espectador no assunto que ele realmente quer tratar; o assédio moral e físico impetrado às mulheres. Nele, nós acompanhamos a desregrada vida de Gloria (Anne Hathaway, de “Interestelar”), que é expulsa pelo noivo (Dan Stevens, da série de TV “Legion”) do apartamento onde os dois moram em Nova York, por conta de seu “caos pessoal/ocupacional” e que resolve voltar à sua cidade natal, no interior dos EUA, para tentar se “reestruturar”. Pouco tempo depois e já falhando em sua empreitada, ela se assusta ao descobrir que um monstro gigante, que ataca diariamente a capital da Coréia do Sul, aparentemente está copiando seus movimentos. Utilizando uma metáfora absurdamente insana e ao mesmo tempo brilhante, o diretor transforma as atitudes de sua protagonista, mais a carga de culpa auto-atribuída durante toda a sua vida e também todas as cobranças e violências emocionais e físicas recebidas de terceiros, em uma estranha aventura Kaiju (cultura japonesa dos monstros gigantes) com direito a efeitos especiais baratos, porém charmosos.
Para a alegoria ser levada a sério era necessário que a produção tivesse um extremo cuidado com os elementos fantasiosos e, ao mesmo tempo, era indispensável que o elenco embarcasse na loucura e apresentasse uma verdade substancial, mesmo que isso resultasse em uma singularidade característica e, neste ponto, o diretor também acerta em cheio. Para tal, ele felizmente contou com uma Anne Hathaway muito estimulada e criando um persona extremamente realista, a de uma mulher em dúvida com as próprias convicções e que ainda não percebe a força que tem. De outro lado, ele também tem o ator Jason Sudeikis (“O Maior Amor do Mundo”), bastante conhecido por suas comédias, interpretando muito bem o amigo de infância da protagonista, que ficou “para trás” quando ela foi embora e que se mostra, logo de cara, como o “príncipe encantado” que “salvará” nossa heroína de sua vida desregrada. Como dito antes, porém, este é um filme de camadas e nada realmente é o que parece ser.
Infelizmente, se por um lado temos um grande mote e ótimas atuações, por outro temos uma acentuada falta de ritmo na história e, mais grave ainda, uma boba e descartável explicação para as inimagináveis invasões monstruosas e a ligação delas à personagem de Hathaway. Mesmo que ela exista para reforçar a heroicidade da protagonista, a cena soa mais como algo forçado, colocado somente para agradar a um público maior e não deixar perguntas em aberto que, por sua vez, cairiam muito bem nas possíveis, necessárias e eternas discussões pós-filme.
Dono de final forte, que reforça – apesar da tal elucidação dispensável – o injusto papel imposto para as mulheres nos dias de hoje e toda a carga de responsabilidade e culpa atribuída à elas, com um toque de girlpower muito bem vindo, o filme “Colossal” prova que assuntos sérios e importantes, podem e devem ser abordados com toda a força no cinema. Claro, caso estes sejam tratados da maneira certa e com a boa e velha criatividade em ação, até os monstros saem ganhando.