Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 23 de junho de 2012

E Aí… Comeu? (2012): comédia não aproveita potencial cômico e cai no moralismo

Longa se prende a piadas chulas e perde boas oportunidades de desenvolver melhor a narrativa.

Três amigos, um bar de esquina, um garçom amigável, muito chopp e conversas de baixo nível sobre mulheres. Algo familiar? Para grande parte dos homens brasileiros de classe média, sim. É com este apelo à identificação masculina que o diretor Felipe Joffily determina a base de seu terceiro longa, “E Aí… Comeu?”, adaptado da peça homônima de Marcelo Rubens Paiva, que também assina o roteiro do filme ao lado de Lusa Silvestre.

O primeiro plano, onde um deles fala asneiras olhando para a câmera, capta instantaneamente a atenção e exige a presença imediata do espectador dentro do filme, puxando para fazer parte daquele grupo de amigos que logo depois será apresentado por completo.

Isto é narrativamente efetivo no momento em que nos previne sobre o que há por vir, evidenciando a temática adulta com teor escrachado, o que ameniza um possível estranhamento ou constrangimento em relação às situações que se seguem.  O problema é que, devido ao conteúdo chulo e machista da fala em questão (condizente com o personagem), talvez apenas uma parcela específica do público se sinta à vontade em mergulhar na companhia de tais marmanjos boêmios. De qualquer forma, o filme conquista ou repudia seu público logo de cara.

Os personagens não poderiam ser mais estratégicos para esse tipo de comédia: Honório (Marco Palmeira) é o casado em crise de relação com a mulher (Dira Paes); Fernando (Bruno Mazzeo) é o solitário que não lida bem com o processo de separação da esposa (Tainá Müller); e Afonsinho (Emilio Orciollo Netto) é o solteirão com pinta de pegador, mas que se lamenta por nunca ter vivido uma grande paixão. Os estereótipos e os arcos dramáticos tirados da forma revelam a falta de originalidade do roteiro e a falta de competência do diretor, que se acomoda em um terreno seguro e sem grandes desafios.

Estes problemas de ordem dramatúrgica não seriam tão relevantes se a proposta cômica sustentasse um certo nível de entretenimento. Infelizmente, a qualidade do humor também é posta em questão quando 80% deste é baseado apenas em palavrões. O resto é somente um aglomerado de situações clichês sem função nenhuma para a trama a não ser a de antecipar cada vez mais o fim já esperado, fazendo a obra ser mais longa do que merece.

O clima de aconchego em relação ao ambiente do bar e de proximidade com os protagonistas são as únicas coisas em que o filme consegue acertar, mesmo com certas limitações. O local frequentando pelos três amigos tem um enorme potencial de sustentação narrativa. É quase um quarto protagonista, funcionando como a espinha dorsal dos diferentes arcos. O reconhecimento deste potencial é visível na ingênua tentativa de construir uma metáfora com seu nome, “Bar Harmonia”, representando-o como porto seguro dos personagens. Infelizmente, esta dimensão psicológica entre espaço e sujeito é mal trabalhada e até negligenciada, perdendo-se uma boa oportunidade de cativar o público naturalmente pela simples familiaridade com o ambiente, o que abriria espaço para um humor menos apelativo e mais funcional.

Uma vez que aceitamos a postura ignorante do filme de jogar na cara do espectador palavras de baixo calão e tomá-las como a melhor forma de divertir o público, qualquer tentativa forçada de aprofundar personagens soa como uma ofensa maior ainda. É bastante incômodo se deparar com sequências de conteúdo padronizado, onde nem mesmo os realizadores fazem questão de refletir sobre sua necessidade na trama. O resultado disso é uma grande contradição, um rebaixamento ao falso moralismo que desvalida todo o esforço anterior em realizar algo superficial, mas honesto e divertido.

Ainda assim, vale afirmar que a proposta de “E Aí… Comeu?” não é tão ruim quanto parece, tendo lá seu grau legítimo de entretenimento. Porém, a má condução narrativa e a despreocupação com subtramas importantes sepultam qualquer potencial cômico ou dramático. Uma abordagem mais intimista, mais focada nos personagens do que nas piadas (sem extingui-las) e menos refém de convenções teria rendido uma comédia bem mais digna.

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Thiago César é formado em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mas aspirante a cineasta. Já fez cursos na área de audiovisual e realiza filmes independentes.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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