Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 25 de fevereiro de 2012

Toda Forma de Amor: comédia dramática conta com ótimas atuações

Longa rende a Christopher Plummer sua segunda indicação ao Oscar e é o favorito na categoria Melhor Ator Coadjuvante.

Muitos filmes recentes, devido a uma linguagem mais intimista ou a uma produção independente, ganham o status de cult. Apesar de contraditório, esse rótulo tem obtido muita popularidade, incentivando até algumas obras do circuito comercial a buscar um lugar nessa categoria. “Toda Forma de Amor” pode ser considerado uma delas, mas felizmente o roteirista e diretor Mike Mills demonstra segurança para não cair na mera reprodução de uma tendência.

O longa narra a vida de Oliver (Ewan McGregor), um homem infeliz com uma vida estagnada que nunca consegue evoluir profissionalmente e nem estabelecer um relacionamento amoroso definitivo. Durante sua busca por algo que realmente valha à pena, Oliver tem constantes lembranças de sua infância com a mãe, Georgia (Mary Page Keller), e de seus últimos dias com o pai, Hal (Christopher Plummer), que assumiu sua homossexualidade após a morte da esposa.

É interessante perceber como toda a atmosfera do filme gira em torno da psicologia de Oliver, como se todos seus elementos trabalhassem em conjunto como uma extensão do personagem. A fotografia de Kasper Tuxen é amena, pouco contrastada, lembrando fotos envelhecidas. Os figurinos projetados por Jennifer Johnson têm cores desbotadas, chegando a ter furos e rasgos em algumas ocasiões, o que também remete à velhice. Para completar, a grande maioria das músicas do filme é antiga. Tudo isso sugere um movimento retrógrado de Oliver, sempre preso ao passado. Isso fica muito evidente em um dos desenhos que o personagem faz, mostrando a personificação do presente sendo esmagada por uma pedra que representa o passado.

O roteiro de Mills é paciente na introdução dos personagens e sua estrutura é bem elaborada. O início da relação entre Oliver e Anna (Mélanie Laurent) é construído de uma forma que reconhece a necessidade dos clichês, mas não depende deles. Isso gera um grau de naturalidade pouco visto atualmente, sendo mais comum em comédias românticas das décadas de 60 e 70. As ótimas atuações de McGregor e Laurent tornam sua interação singela e gostosa de apreciar, baseando-se na simplicidade dos diálogos e na leve fluidez da relação. O inseparável cachorro Arthur serve como válvula de escape para a solidão de Oliver, pois é tão ou mais carente quanto o dono e, vez por outra, troca algumas palavras com este, dando ao longa um humor sutil.

Por outro lado, a narração de Oliver é meramente explicativa, dando satisfações ao público acerca de coisas pouco relevantes para a trama. A montagem de Olivier Bugge Coutté nessas sequências até consegue amenizar um pouco a quebra de ritmo, mas se limita a ilustrar a fala por meio de fotos, desenhos, imagens de arquivo etc. Dessa forma, o didatismo em off com montagem ilustrativa serve mais para criar uma relação forçada de proximidade entre o público e o protagonista do que como recurso narrativo. Saber sobre o passado dos personagens é importante, mas as cenas de flashbacks conseguem ser mais efetivas nesta função do que os momentos narrativos.

Assim como a narração, os flashbacks são frequentes, mas ao contrário daquela, estes são extremamente necessários para uma maior compreensão sobre o protagonista e seus pais, nunca estando separados do enredo. Eles funcionam mais como os próprios pensamentos de Oliver durante uma cena do que como uma simples apresentação de sua história para o espectador. Isso é evidenciado pela inteligente montagem de Coutté, que passa do presente para o passado com  cortes bruscos, interrompendo uma ação para depois retomá-la de onde parou.

É nesses momentos que temos o prazer de ver em tela a grande atuação de Christopher Plummer, indicado e favorito ao Oscar 2012 na categoria Melhor Ator Coadjuvante por seu personagem Hal Fields. A vontade de resgatar o tempo perdido – uma vez que nunca explorou sua homossexualidade durante os 44 anos de casado – é maior do que a vulnerabilidade de sua condição cancerígena. Mesmo sem querer, o pai que sempre foi ausente acaba servindo de exemplo para o filho, dando uma última lição antes de partir ao mostrar que nunca é tarde para ser feliz. Plummer não faz de Hal um doente debilitado que gera pena no espectador, mas um personagem divertido e otimista em relação à doença e à vida em geral.

“Toda Forma de Amor” fala sobre como todos nós, por mais velhos física ou espiritualmente que estivermos, sempre seremos aprendizes em como lidar com a vida e com as outras pessoas. Apesar da tradução comercial brasileira, o título original, “Beginners” (“Iniciantes”), faz mais sentido para as intenções do filme. Esta é uma comédia dramática e romântica que não tem grandes pretensões, optando por uma abordagem mais “simples e feliz”, como as flores no quadro da mãe de Oliver.

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Thiago César é formado em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mas aspirante a cineasta. Já fez cursos na área de audiovisual e realiza filmes independentes.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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