Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

A Invenção de Hugo Cabret: homenagem definitiva de Martin Scorsese ao cinema

A adaptação do livro infantil de Brian Selznick é a primeira vez que o diretor experimenta com a tecnologia 3D e, afinal, não tinha como dar errado.

Hugo é um menino que mora em uma estação de trem em Paris. Órfão, o garoto tenta reconstruir um autômato (uma espécie de robô feito com peças de relógio) encontrado pelo pai. Para consertar o boneco, Hugo rouba peças de brinquedos de uma loja na estação, o que o causa problemas. Mesmo com muita dificuldade para sair da estação, ele sabe muito bem apreciar histórias. E essa é uma das diferenças entre o filme e a obra que originou a história que realmente enriquece a versão de Scorsese.

Enquanto dá corda nos relógios da estação, Hugo assiste ao romance desabrochar entre alguns dos frequentadores do espaço e a ação do inspetor, sempre determinado a eliminar todas as crianças órfãs de lá, mesmo com uma perna prejudicada pela guerra.

São os olhos do jovem Asa Butterfield, extremamente azuis em contraste com a sua pele branca, que guiam o espectador ao longo da história. Hugo é uma criança observadora. É uma criança que sabe que cada pessoa faz parte de uma engrenagem maior dessa grande máquina que é a humanidade. E Hugo também sabe apreciar boas histórias.

O ator mirim faz um papel excelente, conquistando o público com facilidade. Ao lado dele, a já experiente Chlöe Moretz até perde um pouco do brilho, mas continua competente. São os dois as grande estrelas da história. Ben Kingsley quase se redime das péssimas escolhas que fez no passado e Sacha Baron Cohen tem momentos de delicadeza que comprovam seu talento além da comédia.

Enquanto os adultos fazem um trabalho competente é mesmo Butterfield quem se destaca, mais pela expressão do simples olhar do que por qualquer outra coisa. Mas de nada adiantaria a sensibilidade de Hugo se o mundo inteiro não fosse um espetáculo. Nada mais apropriado, portanto, que a história se passe em Paris. Scorsese soube aproveitar muito bem esse cenário do início do século passado, sem prédios e com uma vista mais plana, exibindo a paisagem em todo o esplendor do 3D.

Não é apenas o exterior que ganhou vida. O interior da estação é cheio de cor e com uma iluminação impecável. Mesmo os interiores das paredes, onde Hugo mora, foram belissimamente construídos, algo ressaltado pela tecnologia. O visual incrível de “A Invenção de Hugo Cabret” é realmente a melhor parte do longa-metragem. A história é bastante infantil e cheia de reviravoltas pouco convincentes, mas é justamente aí que Scorsese deixa claro qual é a sua posição sobre as maravilhas do cinema.

“É aqui que os sonhos são feitos”, explica um personagem em determinado momento do filme se referindo aos estúdios cinematográficos. Realmente. Com pirotecnia, cores, profundidade e truques de mágica, o cineasta capta, como ninguém, a atenção do espectador. Brinca assim, na técnica e nas invenções mirabolantes, com o sentimento das pessoas. Mas talvez a técnica tenha ganhado importância demais em detrimento das boas histórias.

Indicado ao Oscar, “A Invenção de Hugo Cabret” segue um caminho bem diferente do traçado por “O Artista”, também entre os concorrentes ao prêmio. Os dois fazem homenagem aos primórdios do cinema, mas um reverencia a simplicidade enquanto o outro exalta a magia transferida para as telas. Cabe ao público escolher qual prefere.

___
Lais Cattassini é jornalista paulistana, graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie em 2009. É repórter do Jornal da Tarde, em São Paulo, e membro do CCR desde 2007.

Lais Cattassini
@

Compartilhe

Saiba mais sobre