Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 26 de dezembro de 2010

72 Horas

Pouco inspirado, Paul Haggis decepciona em seu novo trabalho como diretor e roteirista.

Paul Haggis é um cineasta exemplar. Com seu tato para trabalhar histórias cujas realidades montadas em cena possam ser sentidas por qualquer tipo de público, ele foi reconhecido mundialmente com “Crash – No Limite”, talvez sua obra mais notável. Junto a esta, temos ainda sua participação no roteiro de “Menina de Ouro” e “Cartas de Iwo Jima”, além do ótimo “No Vale das Sombras” e dois 007. Surpresa é vê-lo perdido em “72 Horas”.

A trama é encabeçada por John, personagem de Russell Crowe, que vê a esposa ser acusada de assassinato e condenada a passar anos na prisão. Vivendo apenas com seu filho e na angústia de fazer o possível para tirar Lara (Elizabeth Banks) da cadeia, seu mundo dá uma reviravolta quando, sem expectativa de absolvê-la e após uma tentativa de suicídio dela, ele decide fazer alguma coisa. É então que John elabora um plano para uma grande fuga, arriscando a própria integridade em nome do amor.

Escrito e dirigido por Haggis, o filme dá seus primeiros passos de forma correta, mostrando o território que John enfrentará em seu desafio. Entretanto, é difícil para o espectador desenvolver certo apreço pela tentativa de fuga elaborada pelo protagonista, já que pouco percebemos o amor que ele sente pela esposa. Parece mais que ele tem pena dela do que amor. Não há como se envolver em uma história que se passa apenas durante o período de treinamento particular de John para alcançar seu objetivo, sem criar as relações adequadas antes disso.

Aliás, treinamento esse que abusa das consultas pela internet e da sorte. É de se espantar como Haggis apela terrivelmente para as soluções fáceis. John busca na internet “como arrombar um carro” e logo aprende tudo. Ele compra uma arma e já sabe usá-la de maneira correta. O tempo que ele tanto conta no relógio pouco influencia na sorte que ele tem para conseguir o que quer. Daí do segundo ato para o desfecho do filme as coisas só pioram.

O roteiro peca também na falta de emoção das situações per si. É tanto que os melhores momentos são quando a emoção aparece, quando é possível perceber como o fato de Lara estar na cadeia a distancia de seu filho pequeno, em uma fase que mais precisa do colo materno para seu desenvolvimento. Até mesmo a  relação de John com os pais, ainda que má explicada, ganha pontos por mostrar um lado humano e tipicamente criado por Haggis. No mais, situações absurdas tomam conta da película, que não consegue se reerguer.

Mesmo com um terceiro ato que começa na desconfiança positiva se o plano dará certo ou não, Haggis apela para resoluções fáceis e cenas um tanto quanto constrangedoras, como Lara abrindo a porta do carro durante a fuga, além dos momentos finais, quando dois policiais discutem sobre o caso de Lara com uma montagem paralela patética e pouco significativa.

Se o roteiro peca durante a projeção, Haggis tenta dar um pouco de si na elaboração dos planos e sequências, ainda que se mostre fragilizado acerca da história que ele mesmo criou. Não há momentos para reavaliar, repensar ou organizar os sentimentos do protagonista. Tudo acontece de uma vez só e pouco nos importamos com ele ou mesmo com Lara e, pior ainda, com o filho do casal.

Então o que salva o filme de ser um fracasso completo? O elenco é quem transmite segurança e afinidade para que a história não caia no sono. Russell Crowe carrega a trama nas costas com bastante êxito e Elizabeth Banks mostra seu talento dramático pouco explorado em sua carreira. Temos ainda Liam Neeson, sempre bom de ser visto em cena, mas cujo personagem aparece do nada e some sem dar mais explicações.

A parte técnica de Haggis se distancia do conceito de realidade avassaladora que ele conseguiu em “Crash – No Limite” e “No Vale das Sombras”, até pela própria premissa que certamente é duvidosa, mas ainda assim não deixa tanto a desejar. Ainda que seja um grande cineasta, Haggis escorrega na bola com este “72 Horas” pela falta de ousadia e pela escolha de lugares comuns que não enganam mais nenhum tipo de público. Agora resta desejar que em seus próximos trabalhos ele volte à velha forma, já que é isso que gostamos de ver em seus filmes.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

Compartilhe

Saiba mais sobre