Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 30 de outubro de 2010

Federal

Imagens de pobreza, violência desmotivada e o tratamento vulgar da mulher são as apostas para o sucesso internacional de um filme que não agrada.

Proponho ao leitor uma dinâmica de câmbios: troque o genial diálogo travado entre John Travolta e Samuel L. Jackson na sequência inicial de “Pulp Fiction” – partindo de hambúrgueres até chegar à massagem no pé – por outra cena inicial em que dois policiais, a bordo de uma viatura, discutem a irregularidade do tráfico e a ação dos oficiais. Troque as corridas vertiginosas por entre as ruelas de Mumbai, em “Quem Quer Ser um Milionário?”, pelas imagens pobres, lentas e desestimulantes da fuga de criminosos pela Ceilândia brasiliense. Troque o saco plástico usado para sufocar os traficantes, em “Tropa de Elite”, por… sacos plásticos usados para sufocar traficantes. O resultado é “Federal”, mais um produto descartável da cinematografia brasileira.

Lançado em meio ao sucesso de “Tropa de Elite 2” e sua audiência de mais de 6 milhões de ingressos vendidos, “Federal” tenta aliciar uma parcela desse público com uma temática semelhante e elenco composto por nomes de peso, como o ator norte-americano Michael Madsen, de “Kill Bil 1 e 2”, e o quase unânime Selton Mello. A exibição simultânea dos dois filmes nos cinemas nacionais funciona como um bom contraponto: enquanto um deles conseguiu elevar o padrão de qualidade de nossas produções, o outro cavou um pouco mais do buraco em que tal padrão se encontra.

Com R$ 5 milhões, o diretor Eryk de Castro demorou quatro anos para fazer um filme de 90 minutos sobre a caçada ao traficante Carlos Beque Batista (Eduardo Dusek). Na gerência da perseguição, o agente da Policia Federal Dani (Selton Mello) e o delegado Vital (Carlos Alberto Riccelli) tentam arquitetar planos para capturar o criminoso responsável por inserir Brasília na rota internacional de tráfico. O amadorismo da direção, que parece ir contra o que se espera de um ex-estudante da Los Angeles City College, é o que mais incomoda em “Federal”. O problema não é a falta de recursos inovadores e ângulos bem elaborados, mas sim a aplicação falha e distraída de soluções convencionais.

A fotografia de Cézar Moraes tenta atualizar o tom laranja arranjado por Roman Polanski em seu “Chinatown”, mas sua adaptação do cinema noir passa longe do resultado exibido pelo filme de 1974. Quando suas ambições são deixadas de lado, o que vemos em “Federal” são cores frias que se encaixam perfeitamente ao quadro de concreto formado pelas construções de Brasília e tornam a produção incomodamente monocromática.

A trilha sonora é o fator de humor no longa. Sejam os acordes épicos que embalam a prisão dos traficantes ou as músicas sensuais que fariam o Simply Red tremer de vergonha, tudo parece exagerado para as proporções dramáticas do filme.

Com tantos fracassos previsíveis o que ainda surpreende é a participação de alguns nomes que compõem o elenco. Madsen não precisava colocar um título como esse em uma filmografia composta pelos excelentes “Kill Bill 1 e 2”, “Cães de Aluguel” e “Sin City”. Selton Mello colocou em risco, com um papel infame, uma credibilidade construída lentamente, desde o sucesso “O Auto da Compadecida”. Por fim, Eduardo Dusek poderia ser lembrado como um compositor e cantor esforçado, mas desde que decidiu levar a sério sua carreira de ator, sua imagem sofreu alguns danos.

Ao final da projeção, o que resta para o público é a sensação de que, no encalço do sucesso de “Tropa de Elite”, algumas produções tentam inutilmente angariar a parcela de público aficionada pela temática policial. O tratamento dado aos aspectos de pobreza, as cenas vulgares de sexo e a violência gratuita parecem parte de um plano para o sucesso do longa junto ao público internacional. Felizmente, “Federal” é um filme para ser esquecido.

Jader Santana
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