Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 09 de outubro de 2010

The Runaways – Garotas do Rock

Em uma época em que o rock era dominado por homens, surgem por pouco e inesquecível tempo o grupo The Runaways, para mostrar a atitude e o poder feminino neste universo selvagem e junkie.

Em 1975, David Bowie e seu rosto pintado e Sex Pistols e sua atitude musical eram as inspirações dos jovens que viviam um período de transgressões e entendimento de suas personalidades. Apaixonada por música, Joan Jett (Kristen Stewart) tinha a guitarra como seu melhor aliado. Cherie Currie (Dakota Fanning) era quase uma loser que vivia desavenças com a mãe e o alcoolismo do pai, mas que tinha grande talento escondido. O destino e a ambição do produtor musical Kim Fowley (Michael Shannon) mudariam a vida dessas garotas, que logo seriam reconhecidas mundialmente como The Runaways.

O desejo visionário de Joan em montar um grupo de rock feminino e a ambição de Fowley logo funcionaram juntos para que o sonho fosse possível. Entretanto, a testosterona, os cabelões e a atitude eram apenas características masculinas, e foi preciso que Fowley lapidasse suas pedras preciosas para que elas se parecessem verdadeiros homens de maquiagem. A ideia era transformá-las em ícones do rock por meio dos gritos, da brutalidade e da personalidade forte não só na performance no palco, mas também nas letras que refletiam uma nova forma de ver a música e a sociedade.

Dirigido e roteirizado por Floria Sigismondi, a partir do livro “Neon Angel”, escrito pela própria Cherie Currie, o longa retrata com perfeição a juventude em busca da compreensão de seus corpos e de seus lugares no mundo, bem como da fama e de uma razão maior para existir. A trama acompanha a formação de um grupo de adolescentes perfeitamente moldadas para engolir toda a veia rock, sem perder a sensualidade, ainda que mascarada pela “brutalidade” predominante no gênero musical. Fazer isso não foi tão fácil quanto podia ser.

“Uma mistura de Bowie com Bardot” foi a primeira impressão de Fowley quando convidou Cherie para uma audição com o grupo já praticamente formado por Joan, Sandy West (Stella Maeve), Lita Ford (Scout Taylor-Compton) e Jackie Fox (aqui chamada de Robin e interpretada por Alia Shawkat), entretanto cantar “Fever”, de Peggy Lee (também gravada por Suzy Quatro), não era a música mais adequada para a ocasião. A banda precisava de mais desses belos rostos de ingenuidade de suas integrantes, de uma forma que os gritos, os gestos e os palavrões fizessem parte da identidade do grupo. As outras integrantes já possuíam essa veia, principalmente Joan, que passou a liderar o grupo, mas Cherie, talvez por sua infância e inocência estampadas na cara, ainda precisava devorar o mundo.

De uma banda de garagem a ícones dos jovens em todo o mundo, The Runways teve uma história intensa em seus quatro anos de existência. O roteiro de Sigismondi trata com muito carinho as variadas situações vividas pelo grupo, desde o duvidoso rumo empresarial que Fowley traçou para suas meninas até a relação homoerótica entre Joan e Cherie. Estas, aliás, dão a cara do filme, com as outras integrantes se resumindo a poucas participações. Por ser baseado em um livro de Cherie, é compreensível essa divisão, mas praticamente nem dá para fixar o nome das outras meninas, a não ser quem já as conhece.

A rapidez em que a história é contada não permite que seja completamente natural o sucesso que The Runaways conseguiu chegar ao sucesso. Aqui, essa agilidade do texto ajuda somente a transformação de Cherie, antes uma menina angelical e depois uma viciada, que no último ato tem ótimos momentos de conflito. Já Joan se resume a tentar liderar a banda, mas sem a firmeza para a tarefa, já que também era inexperiente. Além disso, a relação entre Joan e Cherie acaba muito sutil, o que por um lado é positivo para a película principalmente por torná-la mais sexy, mas por outro deixa em aberto questionamentos sobre o amor entre as duas.

Em cinebiografias, o que mais conta, além de uma boa história, é a interpretação do elenco, assim como tivemos Joaquim Phoenix e Reese Whiterspoon em “Johnny e June” e Jennifer Hudson em “Dreamgirls”, para citar exemplos recentes. Como sempre foi desde que foi revelada na indústria cinematográfica, o destaque fica com Dakota Fanning, meio menina e meio mulher, meio anjo e meio diabo, que grita em “Cherry Bomb” e se reverencia em sua própria música, mas que a doçura de sua voz longe dos microfones mostra sua infância perdida. Fanning transita facilmente nas diferentes posições que sua personagem pede e carrega o filme com intensidade. Não que seja uma atuação digna de Oscar, mas a atriz continua como uma das mais promissoras da indústria.

Kristen Stewart chega completamente oposta a sua apática personagem Bella na saga “Crepúsculo”. Ainda que não demonstre tanta densidade com sua Joan, ela tem desenvoltura e está confortável no papel. O experiente Michael Shannon assume a caricatura do louco produtor musical em busca de grana, responsável por ajudar a desvirtuar aquelas meninas cujas vidas estavam apenas no começo. E entenda aqui que isso não é uma crítica negativa, já que realmente era necessário para que elas fizessem sucesso.

A diretora Floria Sigismondi, experiente com videoclipes, talvez admiradora de seu objeto cinematográfico, conduz o longa com sensibilidade, explorando o lado psicológico de seus personagens e dando firmeza a todas as sequências. Ela não faz um filme sobre rock, já que é muito educada na maior parte da trama, mas conta uma história sobre sonhos destruídos, sobre wanna be a star.

Auxiliada por bons diretores de arte, figurinistas e maquiadores, que reproduziram a época de ouro das meninas, Sigismondi também deixa suas atrizes à vontade em cena, inclusive para cantar sem playback (isso é positivo em musicais). Ainda assim, a cineasta escorrega ao permitir o excesso de músicas durante o longa. Quando as personagens não cantam, a trilha sonora secundária (ou primária?) aparece para compor a história. Por mais que as músicas sejam de ótima qualidade, existem momentos onde o silêncio seria a melhor escolha.

“The Runaways – Garotas do Rock” é um bom registro sobre uma época perdida, em que vemos como a vida dos jovens se estragam facilmente com a acessibilidade da experimentação do mundo. Uma história que continua atual e reflete a sede de viver dos jovens de hoje, mas que se diferenciam pela opressão da sociedade estar menor que há 35 anos. Como filme de rock, este é superficial, mas vai além e fala, acima de tudo, da juventude.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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