Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 29 de agosto de 2010

Par Perfeito

Pegue "Encontro Explosivo", retire Cameron Diaz e Tom Cruise, substitua-os por Katherine Heigl e Ashton Kutcher. Depois, retire também boa parte dos méritos do longa de James Mangold. Voce terá "Par Perfeito".

Ou Hollywood possui roteiristas plagiadores (e espiões, diga-se de passagem) ou misteriosas coincidências acontecem entre os profissionais do ramo de vez em quando. A dúvida volta a perturbar porque é realmente estranho ver este “Par Perfeito” estrear apenas poucas semanas depois de seu irmão de gênero, “Encontro Explosivo”. E mesmo sem saber o que realmente ocorreu, o que interessa é que a mais nova “ação cômica” americana é claramente prejudicada pela estratégia comercial do estúdio ao optar por levá-lo aos cinemas ainda quando as eletrizantes cenas do longa de James Mangold estão frescas na memória do público. As condições ficam piores para o filme quando sua inferioridade é mais do que evidente.

Aqui Katherine Heigl interpreta o papel de Cameron Diaz: a mocinha bonita e solteira que não suporta a ideia de colocar sua vida em risco, como saltar de bungee jump. Enquanto Ashton Kutcher faz a vez de Tom Cruise, o atraente agente secreto da inteligência americana com licença para matar. A diferença é que Jen (Heigl) e Spencer (Kutcher) não ficam apenas na paquera ao longo de quase toda a projeção. Eles vão adiante. Tudo começa, porém, através de olhares insinuantes durante uma viagem a bela cidade francesa de Nice.

Os dois, no entanto, não poderiam ter razões mais distintas para visitarem a localidade. Se Jen deseja espairecer após um rompimento turbulento de namoro, Spencer veio executar pessoas a mando do governo dos EUA. Mantendo segredos entre si, os olhares evoluem rapidamente para um sério romance, que logo vira casamento, levando Spencer a deixar as mortais missões de lado. Três anos mais tarde, porém, ele vira alvo de um golpe milionário de objetivo único: matá-lo.  Perseguido por sedentos assassinos, o antigo agente é forçado a levar uma companhia para as próximas aventuras, ninguém menos do que a esposa.

Se há uma característica primordial para filmes do gênero, esta é nunca levar-se a sério. E neste quesito, “Par Perfeito” jamais peca pela ausência, mas sim pelo exagero. O problema é que além de ser uma grande brincadeira para a audiência, a produção segue o mesmo caminho com os seus próprios personagens, acabando por não satisfazer a nenhum dos grupos. E não poderia haver retrato maior desse erro do que a própria protagonista, Jen. A moça é uma confusão de emoções (por mais que a história tente justificar por meio de uma estratégia ridícula) incapaz de decidir se apóia o marido, se deixa-o, se ri de toda a situação ou se assusta.

E dessa forma o filme descredencia toda a trama policial que tem para contar. Tudo parece um amontoado de situações criadas a esmo pelo roteiro de Bob DeRosa e Ted Griffin (que segue perdido desde “Onze Homens e um Segredo”) para gerar ação e comédia, sem um mínimo de cuidado com a transição ou uma união adequada entre esses dois tons. Então se torna extremamente normal ver Jen vomitar de nojo de Spencer para pouco depois fazer piada ao comprar um teste de gravidez na farmácia, enquanto um clima de paranoia tenta ser inserido.

Talvez devido a essa mistura mal dosada de tons é que pouca coisa funcione no filme. A ação não poderia ser mais desempolgante, rendendo lutas e tiroteios esquecíveis, também prejudicados por uma truncagem que impede que o ritmo do longa engrene. O romance jamais convence. Se a introdução é desenvolvida de forma atropelada, fazendo com que o casal se conheça, se case e se estabilize em cerca de dez minutos, a química entre Kutcher e Heigl deixa a situação ainda pior. É preciso muito esforço para simpatizar com esse casal.

Já a comédia traz seus bons momentos, principalmente quando Catherine O’Hara surge na tela. Interpretando a mãe alcoólatra de Jen, a atriz aposta no humor escrachado e acaba por encontrar graça em meio a tantas tentativas fracassadas. É interessante citar também a inclusão de um casal chato de vizinhos, que entre reclamações por divisão de terrenos, são confundidos com matadores de aluguel. No entanto, a inversão de funções, que deveria colocar a protagonista em situações atípicas, infelizmente não trazem as gargalhadas prometidas, o que compromete seriamente a qualidade do filme.

Tecnicamente, “Par Perfeito” também não impressiona. Pouco requisitando efeitos especiais (e quando o faz é extremamente infeliz), o diretor Robert Luketic (responsável por “Legalmente Loira” e “A Verdade Nua e Crua”) até que busca boas locações ao filmar em Nice, mas desempolga em termos visuais quando a trama ganha solos americanos. A trilha sonora de Rolfe Kent até consegue captar o clima de brincadeira do longa, mas passa longe de criar algo marcante.

Com um desfecho vergonhoso, mas que faz juz a total falta de compromisso do filme consigo mesmo e com os espectadores, “Par Perfeito” pode até proporcionar algumas risadas, mas nada além. É mais um exemplar sem criatividade dono de um roteiro cheio de falhas e perdido em meio a intenção de trazer humor e ação ao mesmo tempo. Que “coincidências” como essa não se repitam com tanta frequência em Hollywood!

Darlano Didimo
@rapadura

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