Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Karate Kid

Esta nova versão do conhecido filme homônimo de 1984 não só atualiza a história do original para um novo público (e uma nova arte marcial), como também encontra a sua própria voz.

Pessoalmente, entrei no cinema com os dois pés atrás para conferir este novo “Karate Kid”. Vários fatores contribuíram para esta insegurança, como o carinho que tenho pelo original, a troca do karate pelo kung-fu e, principalmente, Jaden Smith, cuja atuação desastrosa em “O Dia Em Que a Terra Parou” (outro remake, por sinal) ainda queimava em minha memória. Mas tudo no filme me surpreendeu, até o seu ator principal, que deve ter tomado umas aulas de carisma em casa com o pai, Will Smith.

A história base é a mesma do longa oitentista. Garoto se muda com a mãe para uma nova cidade e é ameaçado por valentões locais. Para ajudá-lo, surge um improvável instrutor de artes marciais que lhe ensina não só a lutar, mas também a ter respeito próprio. Mas os desafios encarados pelo pequeno Dre (Smith) e seu mestre, Sr. Han (Jackie Chan), são bem mais complicados que as dificuldades enfrentadas por Daniel-san e Sr. Miyagi no original.

Nesta nova versão, Dre e sua mãe se mudam de Detroit para a China, tendo de lidar com o choque cultural e com um idioma bem diferente do seu. A ambientação atualizada também trouxe uma mudança óbvia na arte marcial praticada pelos personagens, agora sendo o Kung-Fu. O motivo do filme ainda se chamar “Karate Kid” é um mistério, embora uma cena cortada na qual o antagonista ironiza o karate poderia ter explicado o título.

O roteiro de Christopher Murphey, baseado no argumento de Robert Mark Kamen, é bem amarrado, equilibrando momentos que homenageiam o original e outros que dão a este filme sua própria identidade. Os próprios personagens não são apenas sombras daqueles da fita oitentista. Isso não quer dizer que o texto não escape de problemas pontuais, como a referência gratuita à vila olímpica, que acaba por datar o filme, e clichês um tanto inúteis na história, como o fato do romance entre Dre e Meiying (Wenwen Han) ser proibido pelo pai da donzela em dado momento.

O fato de Dre ser bem mais jovem que o protagonista do original nos ajuda a deixar Daniel-san de lado. No personagem, o pequeno Jaden Smith realmente age como uma criança, algo raro em produções norte-americanas. Smith traz carisma e vivacidade e transmite bem toda a inquietação e os problemas que Dre atravessa, mas sem perder o espírito infantil, agindo como um garoto de verdade, seja no seu tratamento com a mãe, com o seu mestre ou mesmo em seu jeito inocente e um tanto quanto inconsequente. Tais “defeitos” tornam fácil a identificação com o personagem.

O pequeno segura o filme de maneira inconteste, além de ter uma ótima química com Jackie Chan. O astro asiático, por sua vez, jamais tenta emular o amado Sr. Miyagi, transformando Han em uma pessoa de verdade, não em uma caricatura (algo que o próprio Miyagi havia se tornado na última fita da franquia). Chan, mais sisudo que de costume, não apenas passa a credibilidade necessária para o papel, mostrando as suas habilidades em uma curta, porém impactante, cena de luta, como também convence nos momentos dramáticos, com seu personagem passando por um ótimo arco narrativo no filme.

As damas do elenco, a indicada ao Oscar Taraji P. Henson e a novata Wenwen Han, pouco têm a fazer, mas surgem bem no filme, sendo os grandes apoios e motivações de Dre. Destaco principalmente Henson, extremamente divertida e carinhosa em cena. Os antagonistas, o jovem arruaceiro Cheng (Zhenwei Wang) e o Mestre Li (Rongguang Yu), são estereotipados ao máximo, mas tal característica cai como uma luva para as intenções da história sendo contada, principalmente honrando o espírito dos “vilões” dos longas dos anos 1980.

A produção é deveras caprichada. O diretor Harold Zwart, cujo último filme havia sido o terrível “A Pantera Cor-de-Rosa 2”, faz um ótimo trabalho aqui. Além de boas e interessantes transições entre as cenas (vide o corte entre a cena na quadra de basquete e a do apartamento), o diretor ainda utiliza muito bem a câmera de mão em dados momentos, imprimindo urgência em dadas sequências. Sim, existem eventuais exageros, como alguns momentos em câmera lenta, como a surra que Dre leva de Cheng e seus colegas, que simplesmente não funcionam, mas o cineasta acerta muito mais do que erra, também explorando com eficácia as locações nos icônicos cartões-postais chineses, como a Grande Muralha e a Cidade Proibida.

Ressalto ainda a cinematografia de Roger Pratt, que acertadamente investe em cores quentes e em uma fotografia mais iluminada, contribuindo para o clima alegre do filme. A montagem da película, que ficou a cargo de Joel Negron, consegue fazer com que os 140 minutos da fita passem voando, imprimindo um ritmo perfeito à narrativa.

Outro acerto (ao menos em grande parte) é a trilha sonora da fita, tanto a incidental, composta por James Horner, quanto as músicas escolhidas para a produção, que incluem Lady Gaga e Red Hot Chilli Peppers. Não digo que todas as músicas da película são perfeitas, pois esta acaba com um dueto entre Jaden Smith e Justin Bieber, algo que, ainda bem, só acontece nos créditos. Por falar nos créditos, vale a pena aguentar o showzinho da dupla da escola só para ver as fotos da produção, uma tradição oitentista honrada aqui.

O longa ainda tem certa importância história, sendo a primeira grande aventura hollywoodiana que é uma co-produção sino-estadunidense, mostrando uma otimista direção para a relação entre as duas superpotências. Divertido e emocionante, além de contar com lutas bem coreografadas e atuações na medida certa, “Karate Kid” é uma das surpresas do ano e irá agradar tanto aos fãs do original, quanto à nova geração. Recomendado!

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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