Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Ponyo – Uma Amizade que Veio do Mar

Hayao Miyasaki presenteia o público com mais uma história recheada de reflexões e originalidade, além de possuir uma beleza visual impressionante.

Assistir às obras de Hayao Miyazaki suscita reflexões sobre a razão das animações existirem. Cada mundo construído pelo diretor japonês traz uma magia particular que nem o mais avançado efeito especial no universo live action seria capaz de desenvolvê-lo. Afinal, tecnologia nenhuma substitui talento. É tanta originalidade, tanta fantasia, tantos delírios visuais e narrativos, que ao final de cada experiência cinematográfica o “quero mais” é inevitável. Tentamos também entender como uma mente de um cineasta consegue criar histórias tão universais, atingindo o mais diversificado público, mesmo quando ele mesmo relata que o longa foi feito para uma faixa etária específica.

É o caso deste “Ponyo – Uma Amizade que Veio do Mar”, que segundo Miyazaki é um filme para as crianças. De fato, a pureza da mensagem e a simplicidade da trama confirmam os dizeres do diretor. O filme é nada mais do que um conto de fadas, mas recheado. E é exatamente esse recheio que captura a atenção dos mais velhos, desde adolescentes a idosos, fazendo-os adentrar em um mundo animado onde tudo é possível. Absolutamente tudo.

Com leve inspiração no conto “A Pequena Sereia”, de Hans Christian Andersen, o filme traz uma peixinha dourada como uma das personagens principais. A mais velha de uma turma de milhares de filhos, ela não mais suporta ficar sob os cuidados exagerados do pai Fujimoto, um ex-humano, que os prende em enormes bolhas no fundo do mar. Por isso, em uma das poucas oportunidades que possui, a peixinha decide “passear” perto da costa da praia.

Um acidente, porém, a leva aos braços de Sosuke, um doce menino de cinco anos que vive perto dali ao lado dos pais. Ele primeiro a salva de um grande risco, depois decide criá-la, e logo lhe dá um nome: Ponyo. O carinho entre os dois se torna evidente, mas eles então são separados por Fujimoto, que resgata a filha. No entanto, o amor e a amizade permanecem e, por isso, Ponyo decide se tornar humana só para ficar mais tempo ao lado do amigo.

Diferente de “A Viagem de Chihiro” e “Castelo Animado”, Hayao Miyazaki não utiliza simbolismos ou subjetivismos em demasia em “Ponyo”. Tudo é muito explícito, claro, objetivo. Desenvolver uma relação de amizade é sua grande meta, e isso ele faz com louvor. O diretor e roteirista retira totalmente os preconceitos de seus personagens e torna possível que um peixe e um humano se tornem grandes amigos, dividindo experiências e fazendo o possível e o inimaginável para ficarem juntos.

E quando se utiliza a palavra “inimaginável” em um texto sobre um longa de Miyazaki, é bom que se diga que não é por acaso ou por mera força de expressão. Só os que conhecem o mundo do diretor sabem o motivo. Mas mesmo os acostumados com ele ainda se espantam ao verem um peixe criar pernas e braços e pouco depois correr por sobre as ondas de um mar revolto, como ocorre neste filme. A estranheza, no entanto, traz um caráter tão positivo que quando a história não nos surpreende é que algo parece estar errado.

Talvez por isso o desfecho da fita soe tão decepcionante. A previsibilidade e a rapidez da conclusão, porém, não afetam a mensagem principal e tantas outras espalhadas ao longo da exibição. Com sutileza e inteligência, o filme acaba por promover reflexões sobre meio ambiente e o respeito aos mais velhos, por exemplo, dando aos seus personagens secundários funções que vão além da comicidade típica dos desenhos de Hollywood.

Por falar no assunto, fazer rir passa longe de ser o grande objetivo da película. São poucas as sequências que verdadeiramente fazem o público gargalhar, pois essa jamais é a preocupação do diretor. Seu ritmo é mais contemplativo e seus propósitos são mais pretensiosos. Mas não pense que por isso o filme é sisudo ou chato. O teor da história é extremamente leve e a descontração acontece, especialmente quando Ponyo está em cena. Apenas não espere rir com as situações, pois a afeição e a admiração do público pelos protagonistas vêm de maneira mais natural como Miyasaki.

Outro ponto alto do filme é a capacidade de nos fazer curtir e quase aplaudir seu visual. Em tempos de animações quase exclusivamente computadorizadas, o cineasta ainda consegue nos maravilhar com suas técnicas ditas obsoletas, atingindo seu auge em uma cena em que marinheiros confundem as luzes de uma cidade com as de uma série de navios abarrotados em pleno mar. É simplesmente impressionante! Vale ressaltar também o alto nível de detalhismo de cada plano desenhado a mão pela equipe, não deixando nada passar em vão.

Com uma trilha sonora clássica inspirada, Hayao Miyazaki complementa mais um mundo mágico criado por sua incrível mente. Com um coração pulsante, “Ponyo – Uma Amizade que Veio do Mar” conquista sem empreender grandes esforços, fazendo uma relação impossível virar realidade, pelo menos no universo do cineasta. Pode até nem ser o melhor trabalho de Miyasaki, mas ainda é muito, muito acima da média.

Darlano Didimo
@rapadura

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