Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O Aprendiz de Feiticeiro

No que poderia ser descrito como uma reprise (um pouco) menos ruim de "Dragonball Evolution", esta homenagem de meia-tigela ao clássico "Fantasia" chega como uma aventura sem graça ou alma. Walt Disney deve ter se revirado na câmara criogênica...

Ah, Nicolas Cage… Eis um ator de altos e baixos. Depois de começar bem o ano de 2010 com o lisérgico “Vício Frenético” e o divertidíssimo “Kick-Ass – Quebrando Tudo”, ele surge produzindo e co-estrelando este péssimo “O Aprendiz de Feiticeiro”. Cage aqui repete sua dobradinha com o diretor Jon Turteltaub, que comandou os bacanas (e só) exemplares da franquia “A Lenda do Tesouro Perdido”, mas que fracassa em dar carisma ou charme a esta produção, somente a entupindo de bons efeitos especiais.

Chega a ser incrível o número de mãos que trabalharam no roteiro deste longa, que foi escrito por Matt Lopez e reescrito pela dupla Doug Miro e Carlo Bernard, em cima de um argumento de Lawrence Konner, Mark Rosenthal e Matt Lopez. O resultado é um texto que parece mais a superfície da lua por seu excesso de crateras.

A trama segue o jovem Dave (Jay Baruchel), um estudante de física que, guiado pelo excêntrico e imortal feiticeiro Balthazar (Cage), é escolhido como o novo detentor dos poderes do lendário Merlin. O fraco e relutante jovem é único que pode derrotar a maligna Morgana (Alice Kriege), que está prestes a ser libertada de sua prisão milenar pelo seu servo, Horvath (Alfred Molina), antigo companheiro de Balthazar. Enquanto busca aprender os caminhos da magia e lidar com seus “traumas” do passado, Dave ainda tenta conquistar o coração da bela Becky (Teresa Palmer), sua paixão de infância.

O caminhão de clichês que passa pela sinopse assusta, mas um filme não precisa exatamente ser original para ser bom. Nesse tipo de história, principalmente considerando que se trata de uma versão atualizada da clássica animação “Fantasia”, o final da produção é mais do que óbvio. O problema aqui é o desenvolvimento atropelado – e, muitas vezes, sem sentido – da produção que parece mais um filme no fast-foward.

As piadas simplesmente não funcionam, sendo de uma vergonha alheia tortuosa, principalmente o humor auto-depreciativo de Dave, que só serve para piorar  o status patético do personagem. Os relacionamentos e situações acontecem em uma velocidade absurda, o que pode até funcionar para cenas de ação, mas acaba não dando chance para o público se identificar com os personagens e nem para estes estabelecerem qualquer ligação verossímil uns com os outros. Roteiro pouco formulaico é bobagem aqui…

Exemplo disso é o elo firmado entre Dave e Balthazar. Ora, o personagem é jogado em uma situação que desafia toda a lógica de seu mundo e rapidamente se vê confiando naquela bizarra figura de “cabelo” desgrenhado? Só falta me dizer que os dois vão brigar no meio do filme, o rapaz surta e decide não mais ser o escolhido… ops!

Além disso, todo o treinamento de Dave é muito rápido, simplesmente não condizendo com sua situação no final do filme. Ah, ainda tem o detalhe que Balthazar tem um passado tortuoso, completado com um amor trágico com Veronica (uma desperdiçada Monica Bellucci) e que encontra “eco” no relacionamento entre Dave e sua namorada.

Enquanto o jovem protagonista vivido por Baruchel é uma nulidade só, com qualquer evolução de seu personagem sendo mero e tardio roteirismo, Cage até que tenta convencer com sua pose habitual de maluco, mas o filme simplesmente não deixa, não dando espaço para o personagem brilhar.

O ator que se sai melhor no filme é Alfred Molina como o vilão Horvath que, além de ser genuinamente ameaçador, ainda diverte com parceria com Drake, mágico à lá Criss Angel vivido por Toby Kebbell e que é responsável pelos raros momentos de humor funcional da película.

O filme tem bons efeitos especiais e cenas de ação até interessantes, com destaque para a rápida luta dos heróis contra um mago asiático e um dragão incrivelmente bem realizado. O problema é que essa cena ocorre já no final do primeiro ato. Mas a batalha no final do filme e a cena em que o filme escancara sua “inspiração” em “Fantasia” são embaraçosas. A primeira, por sua absoluta falta de clímax, colocando a vilã Morgana apenas em seu final e coroada por um desfecho absolutamente insatisfatório. Já a segunda, simplesmente não faz nenhum sentido no contexto da história, soando absolutamente gratuita e sem propósito.

O pior é que o filme tem bons conceitos, aplicando a física no mundo da magia, algo que foi desavergonhadamente roubado de “O Grande Truque” (incluindo referências ao grande Nikola Tesla), mas que poderia gerar uma ótima aventura se fosse bem explorado, enquanto o longa se limita a mostrar alguns truques baratos e vários hadoukens e kame-hame-ha. A única coisa que parece mágica nesse “O Aprendiz de Feiticeiro” é a comprovação da maldição da ruindade dos filmes de Nic Cage nos quais ele usa perucas. Êta urucubaca!

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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