Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 05 de junho de 2010

Príncipe da Pérsia – As Areias do Tempo

A melhor coisa a ser dita sobre este longa é que se trata de uma fita bacana de se assistir. Poderia ter sido uma aventura capa-e-espada memorável, não fosse a vontade dos roteiristas em inserir um tom de seriedade impróprio em certas partes da produção e um final sem sentido. Ainda assim, o filme acaba funcionando.

O comando no DOS “C:\run\Prince” marcou a infância de muita gente. O game “Prince of Persia” tinha o seu personagem-título pulando, se esquivando, se agarrando e lutando para salvar uma bela princesa no final. Após divertir toda uma geração e evoluir dentro da era dos jogos mais elaborados, a franquia chega aos cinemas com este “Príncipe da Pérsia – As Areias do Tempo”.

Adaptações de games para as telas costumam ser um desastre, mas esta conseguiu me divertir. Obviamente ambientada na Pérsia antiga, a aventura nos narra a jornada de Dastan (Jake Gyllenhaal), um garoto dos becos que fora escolhido pelo Rei por sua coragem para se tornar um dos seus filhos, sendo tão bem tratado quanto os herdeiros consangüíneos do monarca, mas sem chances de chegar ao trono.

Anos se passam e Dastan cresce e se torna um honrado e impetuoso guerreiro, respeitado entre seus irmãos e comandados. Com sua nação levada por uma falácia a atacar a um reino por motivos mentirosos, o Príncipe acaba sendo acusado injustamente de assassinato e acaba ligado à regente local, a jovem e mimada Tamina (Gemma Arterton), graças a uma misteriosa adaga que, abastecida por uma areia mística, permite ao usuário retornar poucos momentos no tempo.

Caçado por todos, Dastan tenta provar sua inocência junto a seu tio, Nizam (Ben Kingsley), enquanto Tamina possui sua própria missão, algo que a coloca em conflito direto com seu companheiro por diversas vezes. No caminho, a dupla encontrará intrigas, perigo e até um sheik (Alfred Molina) bastante carismático e ganancioso, mas que pode vir a ser um valoroso aliado.

O longa possui uma clara vantagem em relação à outra aventura em tempos antigos lançada recentemente: não se leva muito a sério. Aliás, digo que as falhas desta fita são oriundas justamente dos poucos momentos em que o filme tenta ser mais do que é. Quando o filme se entrega a este seu lado mais “divertido”, funciona muito bem.

Por algum motivo, os escritores da produção resolveram que era uma idéia bacana introduzir um comentário sobre erros bélicos contemporâneos dos EUA na fita, gerando uma subtrama (e um subtexto) bem irrelevante. Ora, em um filme dessa franquia queremos ver princesas sendo salvas, vilões perigosos e um mocinho realizando proezas físicas e se agarrando em construções para escapar de inimigos. Assim, a tentativa ingênua de mensagem política soa deslocada dentro do roteiro, como uma nota desafinada dentro de uma música.

Durante boa parte da produção, esta possui um tom adequadamente leve, remetendo aos dois primeiros filmes da série “A Múmia”. Prova disso é o próprio Dastan, vivido por Jake Gyllenhaal. O protagonista tem realmente um porte que convence como herói de ação, sabe rir de si mesmo e das encrencas em que se mete, embora reconheça o peso de seus problemas, fazendo com que o público simpatize com ele.

Além disso, suas briguinhas com a personagem de Gemma Arterton podem soar um tanto quanto clichês, mas elas funcionam. A despeito de Gyllenhaal estar bem longe do seu potencial total (como em “Entre Irmãos”, por exemplo) e da bela Arterton ser tão pouco expressiva quanto linda, os dois acabam funcionando bem juntos, tendo uma boa química. Claro que não serão um exemplo romântico a ser lembrado pelos anais da sétima arte, mas se encaixam bem no filme.

Outro que merece elogios é Alfred Molina, como o sheik Amar. Engraçado e ganancioso na mesma medida, o personagem evolui muito dentro da história e o ator explora muito bem o arco narrativo deste espertalhão.

Molina faz uma dupla bastante eficiente com Steve Toussaint, que vive o atirador de facas núbio Seso, que possui uma relação que lembra muito aquela entre Chewbacca e Han Solo. Além da amizade dos dois soar convincente, ambos os personagens possuem seus momentos de destaque bem colocados na fita.

O mesmo não pode se dizer de Ben Kingsley, intérprete de Nizam, que, a despeito de surgir, acertadamente, de maneira calma e tranqüila, acaba se entregando ao exagero conforme o filme passa, simplesmente não roubando a atenção do público e criando um personagem pouco memorável e pendendo muito para o comum.

Por falar em atenção, não precisava ter inserido os tais hansanssinos na fita de maneira tão espalhafatosa, mostrando-os de uma maneira tão curta e exageradamente elaborada que as seqüências nas quais eles aparecem mais remetem a vídeos musicais de heavy metal. Como passam de meros assassinos e capangas contratados, não havia necessidade da produção fazer tanto “auê” em cima desses personagens.

Mas o grande escorrego do filme fora o seu final. Sem entrar muito em detalhes, adianto que o longa começa a perder o fôlego após uma revelação no final de seu segundo ato, ficando deveras arrastado em sua derradeira parte. Quando chega o momento do desfecho, a fita apela para uma solução que basicamente anula tudo o que tínhamos visto até o momento, jogando fora o desenvolvimento de vários personagens, chegando a ser irritante e até um tanto quanto machista.

Mike Newell está fazendo claramente um filme de produtor aqui, mas isso não o impede de fazer um bom trabalho com esta produção. A despeito dos efeitos especiais dominarem quase toda a produção, o tom de fábula adotado pelo diretor ao nos levar para dentro do mundo desta fantasiosa versão da Pérsia acaba nos fazendo embarcar na brincadeira.

Um dos acertos do diretor está em reconhecer a mídia original da franquia, principalmente no primeiro ato da projeção. Existem alguns movimentos de câmera tirados diretamente de games, como o zoom na chegada de um inimigo poderoso (de um “chefe”) ou mesmo a explanação de objetivos, que nos remetem diretamente aos jogos. As próprias peripécias físicas de Dastan, a despeito de tiradas do Le Parkour, são adaptadas diretamente dos games.

A trilha sonora, assinada por Harry Gregson-Williams, é um tanto quanto genérica, mas efetiva. O visual do filme é ótimo, não tendo a mínima obrigação de seguir uma linha realista justamente por este se assumir como uma aventura despretensiosa (ao menos durante boa parte do tempo).

A despeito de seu meio de campo enrolado e algumas falhas bem óbvias, “Príncipe da Pérsia – As Areias do Tempo” é um bom passatempo e um caso raro de adaptação cinematográfica dos games que acaba por funcionar realmente como filme. O longa poderia realmente ser melhor, mas, mesmo falho, a fita termina com saldo positivo.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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